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Maria de Fátima Simões


Do calendário escolar
à criatividade com hora marcada

Muito se tem falado do calendário escolar, ultimamente na nossa Universidade. Muito se fala, muito se critica e, no entanto, muito poucos são os que fundamentam as suas tomadas de posição. Há nitidamente uma necessidade imperiosa de fomentar um debate de ideias que possa contribuir para o esclarecimento de questões que são fundamentais para o funcionamento harmonioso da nossa Universidade.
A forma como entendo o exercício das minhas funções - inequivocamente não autocrática - deixa-me, muitas vezes, impossibilitada não de dar a minha opinião, mas de fundamentá-la cabalmente. Provavelmente a meio da minha exposição já metade da audiência se exasperaria querendo apenas saber se sou a favor ou contra o calendário proposto.
No entanto, a questão é demasiado complexa para se esgotar numa resposta de tipo dicotómico "sim" ou "não". É que as questões complexas necessitam de respostas também elas complexas, mas que sejam esclarecedoras, pois de outro modo não são respostas.
É evidente que, no momento actual, temos um conflito. Pode não ser um conflito aberto, mas sente-se claramente no ar quase uma nova cultura organizacional de suspeição. Se, juntamente com alguns teóricos da Psicologia das Organizações, atribuirmos a tal cultura o significado de "o modo como cá se faz", devo dizer que isso me entristece bastante.
De facto, "o modo como cá se faz", ultimamente, é não entender as pessoas e as suas ideias como entidades claramente distintas. Com efeito, na maioria das vezes, as críticas que vamos ouvindo passam a mensagem de que quem não está a favor do novo calendário escolar está manifestamente contra quem o propõe. Ora, nada de mais equívoco e perigoso, quer do ponto de vista estritamente profissional, quer do ponto de vista das relações interpessoais que são vitais para a vida na Universidade.
Há - pelo menos na minha mente - uma separação nítida entre o respeito devido às pessoas e o que são as suas ideias. É evidente que quem propõe soluções para problemas fá-lo com a melhor das intenções. É também evidente que quem discorda não respeita menos os outros, por esse facto. A minha formação e sentido de responsabilidade pedem-me que deixe claro o respeito que todas as pessoas me merecem, apelando ainda a esse sentido de responsabilidade e a esse respeito para, livremente, poder subscrever ideias ou discordar delas.
A ciência psicológica e toda a investigação desenvolvida com base nela, têm demonstrado que os conflitos devem ser resolvidos de forma satisfatória para todos os que neles se encontram envolvidos. Para tal importa começar por esclarecer que as críticas são formuladas relativamente a ideias ou comportamentos e não a pessoas, ofendendo-as e ferindo-as no seu EU, caindo, assim, em impasses extremamente prejudiciais para o bom entendimento interpessoal que, esse sim, dinamiza o progresso.
Não é segredo para ninguém que sou, desde a primeira hora, contra a nova proposta de calendário escolar, tendo já surgido, nos órgãos a que presido, algumas propostas alternativas muito válidas que a seu tempo serão conhecidas. Subscrevo, no entanto, inteiramente a ideia de que há necessidade de melhorar o processo ensino- -aprendizagem, por forma a promover, quer o bem-estar psicológico, quer os índices de sucesso escolar.
É sobre aquele binómio (ensino/aprendizagem) e sobre o seu correlato (sucesso escolar) que pretendo pronunciar-me para fundamentar a minha recusa da actual proposta. Desiludam-se aqueles que já rotulavam de fundamentalistas os docentes das Ciências Sociais e Humanas!
Entendendo eu o ensino como pautado por uma adequação permanente dos programas às mais recentes descobertas científicas, não posso estar de acordo com um calendário que se propõe começar as actividades lectivas no início de Setembro. Esta época é propícia a toda uma reflexão em torno da planificação do ano escolar em termos dos conteúdos a leccionar, das actividades a promover, das metodologias e dos materiais e recursos a utilizar. Tal planificação não se faz, de forma séria, num final de ano lectivo - como alguns sugerem - imediatamente antes de partirem para férias! Mais reflexão é sinónimo de mais qualidade pedagógica.
Uma outra questão, complementar da primeira, prende-se com a aprendizagem. A concepção de aprendizagem que as teorias cognitivistas advogam não tem nada a ver com a concepção que dela tinham as teorias behavioristas. Ao sujeito da aprendizagem é reconhecido - já lá vão muitas décadas - um papel activo na construção do conhecimento. O sujeito da aprendizagem deixou de ser concebido como um mero recipiente, tabula rasa ou folha branca onde tudo se podia inscrever, para passar a ser encarado como alguém que, com as ferramentas da sua mente, constrói conhecimento a partir dos dados que lhe são fornecidos pelos diversos domínios do conhecimento. O sujeito activo interpreta e dá significado à informação que lhe chega .
Quer isto dizer que um ensino só é de qualidade se promover uma aprendizagem de qualidade! Uma aprendizagem de qualidade necessita de muito tempo de estudo, de muita reflexão, de uma compreensão clara dos conceitos, princípios, pressupostos ou seja lá o que cada domínio do conhecimento entende como fundamental! Assim entendida a aprendizagem, deixa de ter sentido a mera memorização de factos ou situações para reproduzir num teste de exame. Deixa de ter sentido dizer que duas épocas de exames separadas por escassas semanas contribui para o sucesso escolar, deixa de ter sentido, ainda, clamar por uma especificidade das Ciências Sociais e Humanas. Ela existe de facto, mas apenas nos processos cognitivos envolvidos na aprendizagem e tal não implica que estudar Física ou Matemática exija menos tempo de reflexão ou menos criatividade. E a criatividade, em área alguma, tem hora e dia marcados!
Algumas das grandes questões são então:
- que espaço é dado à construção significativa do conhecimento quando se pretende implementar dois momentos de avaliação tão próximos no tempo?
- que sucesso escolar querem os alunos? Um sucesso fictício, lutando por memorizar mais qualquer coisinha para obter o dez?
- Onde fica o brio profissional? E a sabedoria? Será que queremos formar profissionais votados ao insucesso funcional?

Aqui deveria começar, em meu entender, o debate do insucesso escolar!

Como assim não foi, a minha forma de estar na vida - flexível, conciliadora , mas determinada - leva-me a encarar esta questão de forma mais clara e a concordar com algumas das propostas apresentadas nas Ciências Sociais e Humanas. Tais propostas dão mais espaço a uma aprendizagem de tipo significativo mais consentânea com o conceito de sucesso escolar - o verdadeiro sucesso escolar!
Enquanto Presidente do Conselho Pedagógico e enquanto docente fiel aos mais elementares princípios, compete-me conciliar e não dividir, pois só assim poderei pugnar por qualidade para o processo de ensino-aprendizagem e, muito sinceramente - perdoem-me a imodéstia - os anos de estudo que levo na área da Educação, nomeadamente na área da Psicologia da Educação, não me permitem, em boa consciência, apoiar o calendário proposto.
E, não havendo soluções ideais, subscrevo uma solução de compromisso que assegure dignidade às diferentes Unidades Científico-Pedagógicas e promova o debate de ideias.






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