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Domingos Martins Vaz


Dizer e fazer
a cidade

É hoje consensual que a modernização do país passa, grosso modo, pela qualificação urbana, na convicção de que a própria estruturação da sociedade e o ordenamento do território precisam de cidades dinâmicas, activas, multidimensionais e multifuncionais. Pelas cidades passa a organização de sistemas territoriais e incluem vários aspectos da vida colectiva. Isto porque o país é cada vez mais uma sociedade urbana, tendo a forma de povoamento que é a cidade centralidade na existência de alguns problemas específicos (como a exclusão social, poluição, mobilidade, ...) e nos desafios da cidadania, da qualidade de vida e do desenvolvimento sustentável.

Tenho mantido uma preocupação pela requalificação das cidades do Interior por forma a que se concilie crescimento com qualificação, evitando-se, assim, os exemplos descaracterizadores que abundam pela faixa litoral, num modelo que ainda não é urbano mas também já não é rural. Tal a atípica urbanização atingida e que mais se enquadra no surto imparável de suburbania que alastrando em mancha de óleo, está já a ameaçar os territórios e as cidades médias ou pequenas da nossa Beira. Precisam-se visões estratégicas para se perceber que uma cidade é o capital mais importante para organizar os sistemas territoriais, devendo caber-lhes maior papel no próximo ciclo das políticas públicas; e uma prospectiva que mobilize instrumentos, parcerias, contratualizações entre actores públicos, associativos e privados.

Assim, parece-me que serão perdedoras as cidades que não se conseguirem adaptar a novas oportunidades e desafios que a todas defrontam. Algumas verão agravadas as suas condições, sobretudo, aquelas que se localizem longe das principais vias de transporte rápido, que forem periféricas, que teimarem em manter certos métodos e estrutura sem se adaptarem. A tendência será tanto mais verdadeira quanto a polarização das grandes cidades se for desenrolando e integrando territórios cada vez mais vastos.

É nesta premissa que as cidades médias (ou pequenas, tanto faz) são viáveis, conciliando convivialidade e cultura, qualidade ambiental, potencial de diversificação económica e bom relacionamento institucional, podendo ser locais privilegiados de cidadania, por contraponto às grandes cidades e metrópoles, crescentemente desumanizadas e massificadas.

É certo que as suas "carências" fazem-se notar quando há falta de infra-estruturas, equipamentos, acessibilidades, funções qualificadas e na inexistência de efeitos de aglomeração, de todo o tipo de densidade. Isso traduz-se na incapacidade que as cidades médias têm em substituir o elevado número de contactos e sedes de negócio, tal como em adquirirem potencial de decisão. Mas face à lógica do vulgarizado paradigma das redes estas cidades podem assumir novos protagonismos e conjuntos de oportunidades. Penso no conceito que Ferrão propõe, o conceito de cidade intermédia (de carácter qualitativo, dinâmico e relacional), ou seja, como uma cidade passível de ser integrada no circuito de relações que se estabelecem no seio de sistemas urbanos, um intermediário (efectivo ou potencial) entre territórios situados em dimensões distintas (as cidades globais, de um lado, e os territórios "marginais" e esquecidos, do outro).

Sublinho que este conceito tem algo de inovador relacionado com a ideia de que a importância de uma cidade não deriva tanto da sua dimensão demográfica mas sim da forma qualitativa como se insere no sistema urbano de proximidade e como se relaciona com os restantes territórios em termos qualitativos. É que os aspectos simbólicos, a espessura da sua identidade sociocultural são aspectos qualitativos da maior importância para as cidades intermédias, fundamentais para a sua afirmação.

Como exemplos de intervenções qualificadoras podemos pensar na criação de unidades avançadas de investigação, na criação de hospitais-escolas especializados, na instalação de equipamentos especializados de cultura, lazer e turismo ou na criação de centros tecnológicos de investigação aplicada de forte raiz local que façam a ligação entre empresas e universidades.

Mas queremos acentuar que a revalorização destas cidades prende-se muito com o seu ambiente, a sua paisagem, a sua "estética", a sua identidade e a sua história. As componentes social, arquitectónica, urbanística e económica são bases fundamentais do seu desenvolvimento, numa perspectiva teórica cada vez mais virada para a fruição pública dos espaços e das ideias.

Somos de opinião que a principal preocupação das cidades médias portuguesas a médio prazo, devido às suas limitações, não será a de conquistarem uma posição cimeira ou determinante nas redes urbanas europeias mas sim a de estarem presentes em situações de visibilidade e protagonismo no seu seio.

Nas componentes imateriais do desenvolvimento urbano, refiro a importância da imagem, reflexo de uma identidade e cultura fortes, como aspecto basilar do envolvimento das pessoas e das instituições. Uma imagem é um conjunto de representações mentais, pessoais, subjectivas, selectivas e simplificadoras, muitas vezes complexa. A imagem é, também, mensagem interna e externa. Do ponto de vista da gestão, privilegia-se a imagem enquanto representação mental. Do ponto de vista da análise, a imagem é o conjunto das percepções que um indivíduo tem a propósito de um objecto.

Dentro deste raciocínio, é possível distinguir três tipos de imagem: a) A real - o que é a cidade; b) A adquirida (subjectiva) - a maneira como é percebida; c) E a desejada - maneira como a cidade quer ser conhecida. Daqui se percebe que há uma imagem imanente a qualquer objecto e, ao mesmo tempo, a possibilidade de a poder transformar, ou pelo menos, reformular, por actuação de processos de comunicação. Contudo, esta é uma questão não simples a precisar de aprofundamento ulterior, se para tal tivermos ocasião.

Mas, a cidade é um suporte privilegiado de imagens. Ela é matéria, forma, movimento, significações, componente de um imaginário pessoal e colectivo. É simultaneamente imaginário e vivido. São múltiplas imagens emitidas e repetidas que conformam a imagem de uma cidade. Intervêm crenças, ideias, percepções diversas que as pessoas fazem de aspectos diferentes de uma cidade e não a sua imagem global. Não se trata de um processo racionalizado mas antes intuitivo e de simplificação cognitiva. É a soma de diversas partes, mas é mutável e passível de ser influenciada ao longo do tempo.

Efectivamente a imagem de um lugar será um conjunto de mensagens dominantes dessa localidade. E, nesta óptica, um conjunto resultante da comunicação. Assim é, e o jogo entre imagem interna e externa é fundamental na medida em que se poderão reforçar mutuamente. Uma imagem externa deve basear-se sempre numa realidade e numa imagem interna coerentes.

De uma forma simplificada podemos dizer que os elementos para construir uma imagem forte são: a clareza, a credibilidade, a simplicidade e a capacidade de diferenciação. É fundamental promover imagens coerentes com a realidade e, por vezes, reconhecer aspectos menos positivos das localidades, valorizar e tornar visível os traços positivos e comunicar a eliminação dos negativos. A construção de uma imagem globalmente positiva de uma cidade é tão importante quanto o acolhimento, a qualidade de vida que o local é capaz de dar a qualquer visitante ou habitante.

A imagem global de uma cidade é o reconhecimento mútuo que fundamenta uma convicção comum e cumpre dois objectivos intermediários: o reforço das relações entre os cidadãos e o lugar e o de fazer de cada pessoa e organização um embaixador da cidade. Daí a importância de construir uma imagem assente no mítico e na história dos territórios e das pessoas para a afirmação de uma identidade territorial forte. A construção de uma imagem colectiva aumenta a eficácia territorial, a adesão do cidadão, o consumo (interno e externo), reforça a notoriedade e a atractividade.

Em momentos de reestruturação e redireccionamento de políticas e actores, para motivar os agentes de mudança, as pessoas e as organizações é, muitas vezes necessário criar mitos, ideias integradoras, fazê-las circular pelos canais de comunicação desses dois níveis (interno e externo). É benéfico desenvolver o sentido de pertença, o espírito de conquista e de vitória, dar reforços positivos.

E a comunicação é factor fundamental de coesão. A comunicação interna vai além da transmissão de informação e coordenação de actividades e papeis. Modifica as representações, buscando uma representação colectiva e a transferência de informação simbólica, ao mesmo tempo que cria uma linguagem comum específica, um quadro de referência territorial.

A implicação dos diversos actores na construção do projecto de cidade é um dos aspectos fundamentais do sucesso das políticas de dinamização e desenvolvimento que aqui se defendem. Ao mesmo tempo que o projecto de cidade define o consenso local, indica os limites da comunicação e marketing que os diversos actores poderão fazer por forma a não criarem imagens urbanas/territoriais conflituosas. A imagem promovida pelo projecto de cidade deve ser tão abrangente que permita a qualquer actor (individualmente, em parceria ou em rede) desenvolver os "produtos" territoriais que pretender.

Defendemos a ideia de que o projecto de cidade pretende ser uma via para a democracia participativa. Assim, o projecto precisa de uma legitimidade forte para se impor. Esta só é atingida pela troca de informação no consenso alargado de actores colectivos principais e cidadãos. Deve basear-se num processo de comunicação aberta entre todo o tipo de actores. Deve federar o número mais alargado possível de participantes e representantes, precisando, para isso, de uma institucionalização e comunicação fortes.






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