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António Fidalgo




Do diálogo à conversa mole

Mais do que bater no nosso Governo, que neste momento é como quem bate no ceguinho, a ocasião política é propícia para discorrer sobre o diálogo e sua degenerescência em conversa mole.
Face ao cavaquismo do quero de um chefe incontestado, do posso de uma maioria absoluta e do mando autoritário em nome da eficácia, a política dos governos de António Guterres foi a de encontrar a todo o momento e a todo o custo consensos através do diálogo. As pessoas estavam em primeiro lugar. A intenção era boa. Ninguém se deveria sentir excluído da vida política e social do país. O rendimento mínimo garantido foi a medida mais emblemática desta maneira de chamar todos à comunhão colectiva, tão cara ao primeiro-ministro.
Do diálogo deveriam surgir as decisões por consenso. E de tal modo foi a atitude levada tão a sério, que o primeiro-ministro numa frase célebre confessou que tinha poderes a mais! Se Nietzsche considerava que a essência do poder era a vontade de poder, e, portanto, o de ter ainda mais poder, a política portuguesa do guterrismo era a vontade da impotência. É que com diálogo e consenso todos mandam e todos têm poder, situação em que o poder se dilui. Posto isto, o que interessa é quem dialoga melhor, e fala mais claro. E nisto quem bate o nosso primeiro? Ele pôde afirmar que tinha poderes a mais porque na sua visão política o mais importante era o diálogo e ele melhor do que ninguém sabe dialogar.
O diálogo, porém, é limitado no tempo. Ora como o guterrismo fez do diálogo, não apenas um meio, mas o próprio fim do exercício político, caímos na conversa mole. E que caracteriza esta? Falar muito e dizer pouco, porque tudo está dito, e há o momento em que das palavras se passam aos actos. Não havendo a força de decidir, aquele momento em que, espontaneamente, se passa à acção fica sempre adiado, e se mantém então artificialmente o diálogo. É um moer sem substância, em que se tritura sempre o mesmo, e em que não se suportam resistências.


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