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José Tavares*


Uma economia para o Interior

Nas duas últimas décadas o país mudou drasticamente. Entre outras coisas, o crescimento económico trouxe estradas e auto-estradas, numa malha cada vez mais densa. Além da melhoria da proverbial ligação Lisboa-Porto, as ligações com o interior sofreram também um salto positivo, quiçá ainda maior em termos relativos. Paralelamente à melhoria de comunicações viveu-se e vive-se uma queda radical da importância da agricultura, uma fortíssima migração para as cidades do litoral e a assustadora desertificação do interior. Na ordem do dia estão imagens de escolas primárias com a morte anunciada, em que se senta um único aluno; aldeias milenárias de populações envelhecidas; campos ao abandono. Não há dúvida que Portugal se transforma rapidamente numa faixa urbana contínua de Braga a Setúbal, onde se concentram cada vez maiores parcelas das gentes e da produção. O país torna-se uma cidade à beira-mar plantada, bordejada por um jardim interior, progressivamente desabitado. A pergunta que se põe é: o que arrasta este movimento para o litoral, se ele vai continuar e quais as opções para o interior?

A ciência económica, de costas voltadas para a geografia, sempre teve problemas em lidar com questões de espaço. Os modelos de crescimento económico constroem-se à volta do conceito de tempo e de investimento, mas ignoram quase sempre a distribuição da produção no espaço. Em comércio internacional estudam-se os movimentos de bens entre nações ou regiões, mas assume-se tipicamente imobilidade de factores e inexistência de custos de transporte. A realidade é diferente. As economias contrastam pela distribuição desigual de pessoas, empresas e produção: as cidades existem e crescem; os "clusters" industriais funcionam, do carvão do Ruhr à aglomeração multimédia de Silicon Valley; regiões de um mesmíssimo país experimentam destinos económicos desiguais. Recentemente, a ciência económica enfrentou a questão do produto no espaço. Inesperadamente, encontrou respostas.

A primeira grande intuição é que a concentração industrial e urbana é tanto maior quanto menores os custos de transporte e maiores as economias de escala. O baixo custo de transporte exacerba a concentração litorânea: é mais barato produzir num local e transportar a baixos custos de que produzir em vários locais. Com economias de escala na produção, devido por exemplo à presença de custos fixos, as empresas procuram localizar-se próximo dos mercados já estabelecidos e com dimensão mínima. Em Portugal, o litoral está em vantagem. Por fim, a própria concentração de actividade atrai mais gente ao litoral, aumentando esse mercado no mesmo movimento em que esvazia os mercados interiores. A realidade é dura mas clara: as estradas que trouxeram o progresso ao interior levaram as pessoas para o litoral. Até as economias externas à empresa, as vantagens de um meio denso em transacções de bens e ideias entre pessoas, reforça a vantagem da faixa costeira. Por fim a política. Como demonstram vários trabalhos empíricos, as populações acedem às cidades para beneficiar de exposição política e acesso ao poder. Quanto menos participativo e democrático o processo político, maiores os centros urbanos, em particular as capitais. Se a influência política lhes escapa quanto maior a distância ao centro de poder, os cidadãos buscam-na pelos seus pés.

Que opções restam ao interior de Portugal? Que políticas fazem sentido? Bem, nem todas as notícias da "dismal science" são más. Antes de mais é possível que, com uma ainda maior queda nos custos de transporte e comunicação, o processo se reverta e a actividade se desconcentre. Várias empresas de primeira linha saem de Nova Iorque e Los Angeles para subúrbios a uma e mais horas de distância que oferecem melhores condições de vida e de trabalho. Se tomarmos Lisboa e Porto como as aglomerações centrais portuguesas, uma considerável parte do país encontra-se nesse raio de 1-2 horas de distância. E, com boas comunicações, praticamente todo o país fica a menos de duas horas da costa, isto é, da faixa urbana dominante. Por outro lado, existem produtos e serviços com futuro que vivem precisamente da necessidade pessoal de "deslocalização". É o habitante da grande cidade que sonha com os fins de semana de "evasão", longe do bulício, que valoriza cada vez mais os produtos tradicionais - queijos, vinhos, etc. - elaborados segundo métodos herdados dos "nossos avós". A estratégia para o Portugal interior desenha-se simplesmente. Valorizar os produtos e serviços locais, que não dependem de economias de escala e beneficiam - em prestígio, imagem e valor - precisamente da pequena escala. Não deixar de exigir melhores transportes e comunicações: uma estrada acaba sempre por ser usada nas duas direcções. E por fim, mais participação e democracia para decisões mais próximas das populações e dos seus interesses. Ou seja, carácter local, nas gentes e nas coisas, mais e melhores estradas e bem melhor democracia.

*University of California at Los Angeles






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