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POR LUÍS NOGUEIRA


Devagar, devagarinho e parado

Que palavras definem a nossa época? E que época é a nossa, onde começa, onde acaba? Pode parecer uma daquelas questões de ordem metafísica, mas é tão só uma inquietação que mais cedo ou mais tarde se há-de tornar urgente e entrar nos tópicos das conversas de café como agora acontece com o futebol ou a política. Não será nada de grave: quando acontecer nem nos aperceberemos. Quando falamos da nossa época, não a tomamos como uma entidade para cuja identificação sejam necessários conceitos, teorias ou categorias tomadas ao campo da filosofia. Pelo contrário: dizemos que ela é nossa, e é como é, por meras intuições subjectivas, difusas, por causa de pequenas descobertas e angústias.

E para já uma dupla angústia: o excesso de informação e a escassez do tempo. Não ter tempo significa várias coisas: primeiro, não ter disponibilidade para a contemplação. Limitamo-nos a ver as coisas passar, fazemos pequenas paragens, mas estas são sempre insuficientes, pois sabemos que por mais que aprendamos há milhares de objectos, factos e conjunturas que nos passarão inevitavelmente ao lado, com as quais umas vezes não queremos perder tempo e muitas outras não temos tempo para perder. Se não nos especializarmos em algo, se não direccionarmos os nossos interesses, seremos incapazes de proceder a comparações, de fundamentar opiniões, de sustentar escalas de valor. Talvez tenha sido sempre assim: a questão é que, agora, a informação que acolhemos é ínfima no oceano de imagens, sons e ideias que nos circundam. Nesse sentido, a internet é a mais perfeita metáfora da estrutura do nosso tempo e a melhor imagem gráfica para descrever a nossa percepção do mundo: vivemos como se uma teia nos enleasse, como se estivessemos num labirinto onde é ténue e falível quase todo o sentido de orientação: a nossa atenção dispersa-se, vêmo-nos obrigados a excluir matérias e ideias cuja validade não chegamos a averiguar, o tempo passa pelas coisas e não as envelhece - pelo contrário, condena-as ao esquecimento.

Massificação e popularização: no seu inverso, o que encontramos? Exclusão e substituição. O que não é passível de se massificar é excluído do espaço público; e mesmo aquilo que se massifica tende, condicionado que é pela lógica do novo, a tornar-se obsoleto. Este processo não é novidade, talvez nem seja sequer dramático. Apenas requer interpretação e adaptação. Adaptação das estruturas sociais e mediáticas, e reconfiguração dos quadros mentais. Mas como fazê-lo?
Como reclamar tempo? Como reivindicar o ócio e o descomprometimento? Como seleccionar os alvos de atenção? Como resistir aos estímulos, às persuasões, às seduções? E, sobretudo, porquê resistir? Se tivermos de escolher entre a euforia de um mundo sempre renovado, de ideias sempre refeitas, de novas cosmologias e redescrições, e um desejo de contemplação, acalentarmos uma esperança poética do vazio informativo, do silêncio visual, da pura imanência dos objectos (que não os seus fantasmas), para que lado se inclinará a nossa preferência?
Será que não estamos desarmados, em termos fenoménicos, existencialistas e sociológicos, perante o desenho multimodal e quase abstracto dos factos sociais e estéticos, a poderosa investida com que nos enfrentam? Se quisessemos parar, alguém nos deixaria? Se uma imagem se isolar do seu contexto mediático quem a quererá ler, se um poema oferecer um enigma quem o quererá confrontar, se uma palavra se esconder quem a irá procurar? Ninguém, porque só para o visível resta ainda tempo. E o visível (aquilo que se mostra e é mostrado) é aquilo que produz e entra no sistema de trocas. Aquilo que esta constatação revela é que perdemos qualquer possibilidade desse sentimento absolutamente subjectivo, e se calhar inútil ou despropositado, de que haja ainda um espaço para a dádiva ou para a inconsequência ou para o absurdo. Mas que importância terá isso numa ordem social onde os signos e os cifrões, os méritos e as acumulações tudo regulam? Que veleidades poderá ter uma doutrina do vazio ou da inércia, ainda que como mera provocação, num regime de remisturas, remakes, reconfigurações, reconversões, reformulações, representações?
Há mesmo textos que se desorientam nesse labirinto de questões, especulações e inverdades, órfãos das evidências e das certezas, que não têm finalidade que os conduza, nem perspectiva que os fundamente: eles são apenas um sinal de enganos e suspeitas. Tocados pelo vírus da inconformidade, permancem instáveis e absurdos mesmo quando procuram atacar. São textos como este: não adiantam nem atrasam, deixam-nos parados na expectativa de um movimento que não surge. Não há pressa para pensar nem se deve apressar o pensamento. Basta esperar que as coisas todas não nos passem ao lado. E usar o ócio e a inércia para desmoralizar o ritmo da nossa época.






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