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Opinião       



 

 
Jorge Bacelar
 

Uma Covilhã pós-moderna
[ou uma Covilhã nova-rica?]

Como qualquer velho-do-restelo que se preze, acho que algumas das modernices que agora se fazem seriam escusadas, se o bom senso prevalecesse. Parece, contudo, que os velhos-do-restelo estão condenados ao triste papel de ladrar à caravana que, indiferente e majestosa, passa.

Isto para comentar os critérios estético-urbanísticos de quem, na Câmara Municipal da Covilhã escolheu, autorizou e adjudicou a implantação dos candeeiros de iluminação pública que ornamentam (e supostamente iluminam, que ainda não os vi acesos) o acesso da variante à dita Covilhã. Que lindo! Que lição de pós-modernidade nos é dada, gratuitamente, com esta visão! Lindo de cortar a respiração! É o exemplo acabado da coexistência entre o modernaço foleiro e o antigo fingido que, senhores, é digno de qualquer manual escolar de arquitectura e urbanismo. São uns esguios postes azuis terminados por caixas de luz amarelonas no centro das faixas de rodagem e nas rotundas, a par de lindas réplicas do ferro fundido fin-de-siècle (do 19, que já estamos noutro...) em alumínio lacado a verde escuro, cheio de trabalhados, volutas e coisas do género, encimadas por elegantes globos de policarbonato (vulgo vidro anti-vandalismo) de uma alvura virginal. Repito: lin-do!

Explico-me: sou dum tempo longínquo em que nas belas artes se debitavam teorias funcionalistas, levando as nossas cabecinhas tenras e impressionáveis a acreditar que a forma se deveria adequar à função, que a harmonia entre o espaço edificado e o território envolvente deveria ser acarinhada e cultivada, em suma, os nossos mestres tentavam passar-nos algo parecido com o sentido do design associado ao vulgar bom-gosto. Pois. E eu até venho duma zona com tradições de piroseira enraizadas: foi no norte que nasceu a casa-tipo-maison-com-janelas-tipo-fenêtre, é no norte que há o maior número de ferraris por quilómetro quadrado em toda a Europa, e basta expor os nossos ouvidos às cantorias dos ranchos folclóricos para se ficar com uma ideia definitiva do que estou a tentar dizer. Tá bem, o Siza também é de lá, mas só o querem em Lisboa e no estrangeiro (e um ou outro nouveau-riche que além do ferrari e do picasso, quer uma casa assinada para pendurar o dito picasso e estacionar o dito ferrari. Mas que secretamente desejava era uma vivenda grande e vistosa, com persianas douradas e uma fonte no jardim com um menino a mijar. E uns leões com bolas à entrada).
Quando aterrei nestas paragens, fiquei encantado com a sobriedade arquitectónica, com a tranquilidade da paisagem, com o bom gosto patente até nas casas dos emigrantes. Mas isso foi quando aqui cheguei: se calhar trouxe comigo, sem o saber, o vírus do mau gosto, o síndrome nortenho da piroseira, e para meu desgosto vejo uma terra com quem já simpatizava a transformar-se vertiginosamente numa nova Reboleira de Baixo, como sabiamente sentenciava o Prof. António Fidalgo há já uns dois anos.

Quem não está bem que se mude.
Já o fiz. Estou a viver a uns quilómetros destes abortos urbanísticos, onde os únicos excrementos visíveis são os dos rebanhos de ovelhas que vão passando à procura de pasto.

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