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Opinião       


 


Catarina Moura

O jornalismo on-line não existe

 

"Nós não somos do século de inventar palavras. As palavras já foram inventadas. Nós somos do século de inventar outra vez as palavras que já foram inventadas."

Almada Negreiros

 

Agora fala-se muito disso de jornalismo on-line. Que piada. Então que é isso? E pergunto o que é isso porque não basta criar-se um jornal na Internet, ou até exclusivamente na Internet para, automaticamente, se poder falar em jornalismo on-line. Numa altura em que praticamente todos os jornais "de papel" avançam para edições digitais, em que já surgem jornais apenas em formato informático, o jornalismo on-line é apenas um eufemismo, um conceito a que ainda não foi dada uma consistência e um significado reais. O motivo é simples: falta adaptação ao meio e, antes disso, conhecimento desse meio.
A Internet tem vindo a impôr-se no mundo urbano ocidental como um autêntico fenómeno. São cada vez mais os cibernautas, é cada vez maior e mais descontrolada a cibermania, são cada vez mais sentidos os efeitos dessa nova "addiction". Era previsível que, permitindo alcançar um público potencialmente tão vasto a muito baixos custos, a Internet se tornasse rapidamente alvo da atenção de todo o tipo de empresas com alguma visão de futuro. Entre estas encontram-se muito naturalmente os meios de comunicação. Primeiro jornais e revistas, agora também rádios e televisões, os media encontraram um veículo por excelência para expandirem a sua influência de forma verdadeiramente massificada.
No entanto, são já muitos os projectos falhados. Dois exemplos recentes chegam-nos do Quebec: o Journal de Québec e o Journal de Montréal decidiram encerrar os seus sites, concluindo que a simples repetição do conteúdo da edição em papel na net, sem "valor acrescentado", não tem grande interesse quer para os leitores habituais da versão tradicional, quer para os cibernautas em geral. Mas não é necessário que falhem projectos deste tipo - transposições de jornais de papel para o computador - para que esta conclusão faça sentido.
Se de facto a Internet é o futuro, se poderá vir a transformar-se num veículo de informação por excelência, se muito provavelmente é a nova área de expansão do jornalismo, qual o interesse em continuar a despejar na rede uma cópia integral das versões tradicionais de jornais e revistas? E qual o interesse de, criando-os de raíz na net, continuar a fazê-lo de acordo com padrões próprios desse outro meio?
Ao contrário do que se poderia prever, a leitura no computador revela ter futuro. Um estudo conjunto da Universidade de Standford e do The Poynter - o Standford-Poynter Project - conclui que as pessoas que lêem notícias no computador olham primeiro para o texto e só depois para as imagens. Uma conclusão inesperada se tivermos em conta que estudos anteriores sobre o comportamento dos leitores de jornais em papel revelam que a imagem era o chamariz da página impressa, aquilo que muitas vezes fazia com que a pessoa desejasse ler a notícia.
É até muito provável que o texto predomine sobre a imagem na Internet. Quem lê no computador pode estar simultaneamente a responder a e-mails, fazer downloads, "conversar" em diversos chats ao mesmo tempo, fazer pesquisa, entre muitas outras hipóteses. Por outro lado, a Internet paga-se, o que exige em muitos casos relativa rapidez no seu acesso e consulta e, por outro lado, vem conferir uma nova importância ao acesso imediato à notícia.
Rapidez é a palavra chave. E com a rapidez exige-se naturalmente precisão, concisão, exactidão, objectividade, rigor. Nada aborrece mais o leitor que uma notícia demasiado longa, sobretudo no computador que, sendo ainda muito pouco analógico, se torna fatigante para a vista e para o cérebro. A nova escrita exige uma nova perspectiva sobre os assuntos, uma forma diferente de os abordar, que conjugue a clareza de estilo com uma escolha rigorosa do vocabulário, privilegiando palavras e frase breves. É daqui que resulta a sensação de rapidez, não da supressão de pormenores. Se esta é já uma lei inquestionável para o jornalismo sério, para esta nova escrita on-line torna-se um imperativo essencial. E não existe contradição entre uma escrita concisa, simples e directa e um estilo expressivo e agradável. Uma reportagem não necessita de adjectivos fortes ou frases longas para adquirir vida. Pelo contrário, isso só perturba o seu verdadeiro objectivo: informar com o maior rigor e isenção possíveis.
O grande desafio do momento é a criação de um jornal que já não seja uma cópia dos modelos tradicionais mas sim fruto do meio em que se insere. Esta ruptura significa, antes de mais, olhar a Internet como um novo meio de comunicação, que necessita de novas formas de apresentação dos conteúdos, não só a nível da imagem mas sobretudo da própria linguagem. A escrita on-line tem que romper definitivamente com os padrões tradicionais e o livro de estilo de um jornal digital tem necessariamente que estar adaptado às características desse novo meio, dinâmico, fluído, oferecendo a hipótese de informar em tempo real.
Actualmente ainda nos comportamos em relação à Internet como condutores que andam a 50 na autoestrada com carros que dão 500 à hora. Qual o interesse de ter descoberto um meio fantástico se não o explorarmos, se continuarmos a desbravá-lo tão timidamente? Façamos da net um laboratório de novas e revolucionárias experiências. A matéria-prima está ali, à espera de ser moldada. Se a net é o futuro, então vamos inovar. Vamos descobrir uma nova forma de comunicar através dela. Escrever para um jornal on-line tem a sua especificidade própria. Já não se trata apenas de descobrir o nosso público-alvo e adaptar os conteúdos às suas expectativas. Trata-se sobretudo de adaptar a forma como levamos esse conteúdo até aos ciberleitores.

 

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