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             Bom Senso, Senso-Comum
 
            e Ciências da Educação 
            Sempre me fascinou o modo como
            Descartes inicia o Discurso do Método: "O bom senso
            é a coisa mais bem distribuída do mundo".
            Dou comigo a matutar se a realidade humana mudou assim tanto
            desde o século XVII ou o filósofo, encerrado na
            sua estufa, ficou com uma percepção toldada dos
            seus semelhantes?! Mais arguto é o velho Platão,
            ao comparar a natureza humana, quando falha de educação,
            à existência numa tenebrosa caverna subterrânea.
            Apesar de prisioneiros entre sombras e imagens, fugidias e falsas,
            os seus habitantes digladiam-se entre si, exibindo os seus conhecimentos
            errados, em busca de honrarias e prestígio. 
            Que não deixámos
            a caverna é certo e sabido, basta carregar no botão
            da televisão. A propósito de tudo e de nada, o
            cidadão comum é convidado a dar a sua opinião,
            o que normalmente faz, sem pestanejar e com toda a satisfação.
            Anunciada com um "Ai eu cá acho que" ou finalizada
            com "Para mim, a minha opinião", sai no intervalo,
            na maior parte das vezes, uma bojarda eivada do mais incongruente
            e grosseiro senso-comum. E triste de quem não entra neste
            jogo, nesta feira das vaidades, que se arrisca a ser apelidado
            de apático, amorfo, indiferente, em suma, um palerma,
            mas disso também já falava o Platão na citada
            alegoria. 
            Todo este arrazoado para chegar
            à questão das Ciências da Educação.
            As Ciências da Educação, cujo nascimento
            intelectual e institucional remonta a 1833, data em que foi criada
            a correspondente cátedra na Sorbonne, tiveram um destino
            singular no panorama científico. Exaltadas por uns, para
            quem vão salvar o ensino, são malditas por outros,
            que lhes atribuem os males do sistema de ensino, a crise da nação,
            a decadência das novas gerações, logo, da
            Humanidade. Este debate apaixonado, iniciado há uns largos
            anos no meio académico, onde as posições
            se extremaram, passou agora para o domínio do senso-comum.
            Neste início de ano lectivo, já são vários
            os pais que, em conversa comigo, me têm confidenciado a
            sua desilusão com o funcionamento do sistema educativo.
            Queixam-se da falta da autoridade dos professores (o problema
            da autoridade não se limita ao ensino, embora considere
            que é, neste domínio, muito grave), da extensão
            exagerada dos currículos, da constituição
            de turmas demasiado numerosas (35 alunos, terei ouvido bem?!),
            de horários das 8,30 às 17 h, com vários
            "furos" de permeio. Entre as razões apontadas,
            e surpreendentemente para mim, começa a figurar a profusão
            de licenciaturas em Ensino, e a carga que nestas têm as
            cadeiras pedagógicas. Evidentemente estes pais têm
            razão para estar preocupados. Não têm razão
            é em deitar as culpas para cima das Ciências da
            Educação! 
            A Educação é
            um domínio extremamente complexo, cuja compreensão
            faz apelo a conhecimentos filosóficos e científicos
            e cuja exequibilidade exige opções políticas,
            decisões práticas e uma dose muito razoável
            de bom senso. A falta de bom senso é que é responsável
            pelos dislates cometidos e não as Ciências da Educação.
            É minha convicção que só com o aprofundamento
            dos conhecimentos nesta área e com a sua devida articulação
            e reflexão (e não com as caricaturas grosseiras
            que infelizmente têm enformado as políticas educativas)
            se poderá efectivamente mudar para melhor o sistema educativo
            em Portugal. Mas para tudo isto é preciso bom senso que,
            ao contrário do que defendia o filósofo, não
            é, certamente, a coisa mais bem distribuída do
            mundo. 
            *Departamento
            de Ciências da Educação, UBI  |