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Opinião       


 


Paulo Serra

A banalidade do mal

Num livro impressionante (e, na altura, extremamente polémico) sobre o julgamento de Eichmann em Jerusalém, ao procurar resumir a desproporção quase absoluta entre a insignificância da personagem e o carácter terrífico das suas acções, Hannah Arendt cunhou a expressão "banalidade do mal".
Ao ver, quando vejo, o que se passa na "casa" do Big Brother, não consigo deixar de pensar na expressão de Hannah Arendt. O que acima de tudo me impressiona no programa ("a primeira novela da vida real", diz a publicidade) é o seguinte: como é possível que uma sociedade inteira (ou, pelo menos, uma sua grande parte) dê a sua atenção, que é um bem cada vez mais escasso, a personagens que, se alguma coisa manifestam, é uma banalidade de comportamentos, de palavras e de sentimentos tão extrema? O que é que há, nessa banalidade, que tanto nos atraia? A nossa própria banalidade? O facto de vivermos num mundo em que não só o mal e os criminosos se tornaram banais, mas em que tudo, inclusive o bem, se tornou banal? Numa sociedade em que, deixando de haver heróis e santos para admirar, nos resta apenas espreitar os homens banais que, como nós, não podem senão manifestar a sua banalidade?
A ser assim, ao referir-se à "banalidade do mal" Hannah Arendt diagnosticava, com o olhar clínico que sempre foi o seu, uma das características fundamentais das sociedades contemporâneas. E, se é certo que alguns tendem a ver, nessa banalidade generalizada, um acréscimo da "democracia" e da "igualdade", pela minha parte prefiro ver nela a regressão daquilo a que chamarei o carácter aristocrático da vida - entendendo aqui por "aristocracia" não o poder dos nobres, mas o poder daquilo que torna nobre, isto é, distinto e relevante, cada um de nós.

 

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