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Livre Exame      


 


João Correia

Viva a literatura portuguesa

Não sofro de nacionalismo exacerbado. Não morro pela pátria quando toca o hino.Não sinto um formigueiro nos dedos quando erguem a bandeira, embora me sinta razoavelmente satisfeito quando assisto a essas cerimónias durante a vitória de um atleta ou de uma equipa. Apesar de tudo, é com orgulho que lanço um viva à literatura portuguesa. Não porque seja um xenófobo que entende que tudo quanto é escrito em português é bom e inequivocamente superior ao que é estrangeiro.
A literatura portuguesa é suficientemente boa para dispensar paternalismos nacionalistas e proteccionismos xenófobos. Vale em si mesma. E se me apetece dispensar o usado e abusado aforisma de Pessoa sobre a língua e a pátria, não é menos verdade que a literatura portuguesa é testemunho desta ligação funda entre a língua e nacionalidade. Ainda por cima, a literatura portuguesa não é apenas uma memória de vetustos clássicos, como Sá de Miranda, Camões, Vieira ou Eça, Camilo, Fialho, Pessanha e Pessoa,para só citar os génios de antanho e os mais recentes. É uma literatura de presentes e de futuros. Se ainda ecoa na nossa memória a solidão radical de um Régio, a vastidão telúrica de um Torga, o compromisso solidário de um Soeiro e de um Redol, a grandeza vernácula de Aquilino, a mestria narrativa do Mário Dionísio em "Dia Cinzento" ou a religiosidade humana de Ruy Belo ou o sarcasmo de um O'Neill; se ainda olhamos como um ontem separado por distância breve os diálogos de José Cardoso Pires e a reflexão insistente de um Vergílio Ferreira é do presente que se fala quando ouvimos o sussuro memorialista de Alçada Baptista, a nostalgia torrencial e desencantada do Lobo Antunes, o incêndio de afectos que consome Manuel Alegre, o moralista humanista de Seramago, a serenidade inquieta de Sofya de Mello Breyner, a argúcia de Lídia Jorge ou as ibnterrogações de Mário de Carvalho .
Todos os anos, escritores como Saramago e Gore Vidal tornam-se um "news peg" onde os jornalistas encontarm pretexto para os mais diversos temas. Samago faz setenta e oito anos e comenta a situação do PCP er os terríveis malefícios que assolam a humanidade. Gore Vidal tem a sorte ou o zar de de ser primo afastado de AlGore e por isso, nas recentes eleições presidenciais americanas, ganhou espaço nos jornais onde pode falar de muita coisa, sendo entre essa muita coisa, a literatura ocupava um ínimo espaço. A literatura percorre a feira das vaidades com passo estudado. É o preço a apagar por alguma democratização que a escolaridade obrigatória, o aumento da frequência do ensino superior induziram. Um parte significativa dessa democratizaçção peca pela superficialidade mundana para a qual contribui a glória fugaz emprestada pelos media e não se traduz, de modo consequente, na proliferação de paixões e na multiplicação daquele desejo intenso de fruição de que faz da leitura um prazer raro.
Por isso a recente iniciativa do Curso de Língua e Cultura Portuguesa de promover sessões sobre Eça e Torga e um recital de poesia têm a ver com uma parte essencial da da Universidade. É parte da função de uma Universidade tornar viva a espantosa herança literária que nos calhou em graça como elemento essencial da matriz identitária de Portugal.
O on-line ganhará um peso significativo na vida das sociedades contemporãneas. Mas a sua força divulgadora, a eventual capacidade de modificar o formato e a distribuição do livro, jamais substituirão o próprio livro e o prazer que eles nos proporciona como elementos fundamentais que fazem parte da identidade desta civilização. A paixão pelos clássicos não é sinal de conservadorismo bafiento porque os clássicos, se o são verdadeiramente, conservam um força criadora que ultrapassa o tempo da sua escrita e publicação. Enquanto o nervosismo epidérmico da cultura de massa nos envelhece (como ráoidamente se esquecem os personagens que pululam todos os Big Brothres deste mundo), os clássicos desafiam todos os dias o o nosso presente, convocando a presença de uma novidade que se furta ao fulgor efémero da moda. Algém duvida que há mais novidade numa linha de Eça do que nas obras compeltas de Paulo Coelho?
Como dizia Eduardo Prado Coelho continuam a faltar em Portugal grandes editoras universitárias ou grandes revistas de recensão literária como a New York Rewiew of Books. Num país de mercado exíguo, com escasos indices de leitura as Universidades não poderão deixar de desempenhar um papel fundamental na edição de conteúdos e na criação de públicos. Essa será uma das formas de permanecerem na vanguarda do conhecimento.

 

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