Paulo Serra

 

 

 

 


Três propostas indecentes

Acerca da minha orientação política, os meus amigos de esquerda acham que eu estou demasiado à direita; os meus amigos de direita acham que eu estou demasiado à esquerda; os meus amigos do centro dividem-se: enquanto uns acham que estou demasiado à esquerda, já os outros acham que estou demasiado à direita; os meus amigos que não se interessam por política acham que eu me preocupo demasiado com coisas sem importância nenhuma. No que me toca, prefiro definir-me a mim próprio como uma anarquista moderado ou, se preferirem, como um liberal com preocupações sociais. Mas sejam de esquerda, de direita, do centro ou de lado nenhum, há três propostas minhas - "indecentes", dizem alguns - que preocupam todos os meus amigos (e que, confesso-o, também por vezes me preocupam a mim próprio).
A primeira é a privatização de todas as empresas "públicas" e dos serviços públicos em geral, a começar pelos serviços de Saúde - o que não obstaria a que, se e quando necessário, o Estado facilitasse o acesso barato ou mesmo gratuito aos que não pudessem realmente pagar tais serviços. Evitar-se-ia, assim, não só a profunda desigualdade que resulta do facto de pobres e ricos pagarem todos o mesmo, como a imoralidade dos milhares de jobs que os sucessivos governos nacionais, regionais e locais vão distribuindo aos seus boys, sempre por "urgente conveniência de serviço" ("conveniência" e "serviço" de quem nomeia e de quem é nomeado, entenda-se) ou mediante "concursos" talhados à medida de certos candidatos.
A segunda é a fixação da retribuição profissional (remuneração e não só), e nomeadamente a da "função pública", segundo o mérito, e não apenas segundo critérios perfeitamente obtusos como o "tempo de serviço" ou a "antiguidade" (porque é que trinta anos a fazer coisas mal feitas valerão mais do que dez anos a fazê-las bem?). Parto, aqui, da observação realista de que nas diversas profissões (e conheço sobretudo a dos professores), por cada trinta por cento de profissionais que deviam ganhar muito mais, há setenta por cento que deviam ganhar muito menos (assim, aquilo que uns ganhariam a mais, ganhariam os outros a menos - e, provavelmente, no final ainda se poupava dinheiro).
A terceira é a proibição do exercício de qualquer cargo político, unonominal ou colegial, por mais de um mandato (sucessivamente). Evitava-se, assim, que o detentor do cargo político - como acontece, hoje, com presidentes da república, primeiros-ministros ou presidentes de câmara -, na mira de um segundo, quiçá mesmo de um terceiro mandato ou etc., vá tomando não as medidas que a "coisa pública" impõe que se tomem, mas tão-só aquelas que, por serem mais ou menos "populares", possam garantir a reeleição.
Deixo, ao leitor o trabalho de - como o fazem, aliás, os meus amigos de cada vez que discuto com eles sobre o assunto - descobrir bons argumentos para provar a total "indecência" destas minhas três propostas...

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