José Geraldes
José Geraldes

 

 

 

 


A viragem do Século

Esta edição do Notícias da Covilhã é a última do Séc. XX. Com o novo ano, iniciamos o Séc. XXI. Século cujos contornos se torna naturalmente difícil prever. Mas há uma certeza: novos problemas e novos desafios surgirão nos caminhos dos homens. Sempre à procura da felicidade.
A pergunta dos filósofos antigos retomada por Kant - que é o homem? - continuará a figurar nos manuais dos estudantes. E o homem nunca deixará de se interrogar para se conhecer cada vez melhor. Assimo desejamos. Para que a vida tenha sempre um sentido.
O Séc. XX ficou marcado por duas grandes guerras que nos legaram milhões e milhões de mortos. O Holocausto dá-nos a lição trágica da intolerância e do ódio racial. Efectivamente é um século de contradições que vamos deixar.
As Nações Unidas nasceram para serem um organismo moderador da humanidade. As guerras locais e regionais não acabaram. E agora com armamento altamente sofisticado. E as bombas nucleares continuam como uma espada de Dâmocles sobre o mundo. O Médio Oriente e os Balcãs são barris de pólvora que podem explodir a qualquer momento.
A Declaração dos Direitos do Homem já com 52 anos de existência não eliminou a violação diária e sistemática dos direitos fundamentais dos cidadãos. A dignidade humana sofre atropelos de toda a ordem nos quatro cantos do mundo. A democracia tarda em chegar a todo o planeta.
O nascimento da União Europeia é um facto positivo. A queda do Muro de Berlim, em 1989, com a derrocada dos países comunistas abriu um novo caminho à construção europeia. Só foi pena que a Carta Fundamental recentemente aprovada tenha ignorado a matriz religiosa fundadora do nosso Continente. Mas neste momento, como justamente observa Bernard Cathelat, sociólogo francês, faltam chefes políticos "que saibam, que queiram e que mobilizem todas as sensibilidades" da sociedade. À semelhança de Adnauer, Churchil, Monet, De Gasperi, Shumann, Kohl e De Gaulle.
Registaram-se extraordinários progressos na esperança de vida dos indivíduos. A saúde deu um salto gigante. As descobertas da genética abrem caminhos que exigem uma prática sem ambiguidades. E o genoma humano é um desafio para gerações. A Sida ensombra todo este progresso. E exige novos comportamentos de responsabilidade.
Nos últimos anos houve um declínio geral das instituições. A sua função reguladora e representativa perdeu credibilidade. A classe política degradou-se. A verdade passou a morar na Comunicação Social. A sociedade mediatizou-se. A televisão tornou-se o palco por excelência de todos os desejos e frustrações. A violação da vida privada e a exposição dos instintos mais baixos arvorou-se em norma. As regras do jornalismo sofreram um duro golpe. Tudo só para a conquista das audiências. Ou seja, mais publicidade, mais dinheiro. E já não se distingue o virtual do real. E vice-versa.
A morte das ideologias deu lugar a um pragmatismo cívico. Não há utopias nem ideias. A perda da homogeneidade do corpo social gera opções de vida à escolha segundo a moda. As seitas nascem, assim, como cogumelos. Abre-se, na expressão de Bernard Cathelat, um "buraco negro" na sociedade. Ou seja, não há resposta para as tensões sociais que surgem. Perdem-se os modelos e princípios de referência. E instala-se o vazio. A mediocridade impera. Só interessa o sucesso mediático. E cada um regula-se pelos interesses que lhe convêm. É a chamada moral de situação.
A Igreja Católica promoveu um Concílio, o Vaticano II, nos anos 60. Mas está longe de ter entrado nas estruturas eclesiais e vivência dos católicos. Fala-se e invoca-se muito o Concílio. Fala-se menos de penetrar a Igreja do seu espírito renovador e reformador. Por isso, há quem já defenda um Vaticano III.
Na viragem do Séc. XX, há uma crise generalizada. Mas há que ter esperança, a "pequenina virtude que tudo conduz", na bela expressão de Péguy.
Logo após a sua eleição, João Paulo II falou de coragem e de não se ter medo de enfrentar o futuro. Depois foi e continua a ser a constante da urgência da "Civilização do Amor". É a construção desta "Civilização do Amor" o grande desafio que o Séc. XX deixa ao Séc. XXI.

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