Foi assim há 27 anos
Povo tomou a Câmara logo pela manhã

No dia 25 de Abril de 1974, às 11 horas da manhã, ainda em Lisboa se negociava a rendição do regime ditatorial, já na Covilhã, o poder autárquico passava para as mãos de representantes do povo.

 Por Mariana Morais

José Lemos, na época presidente do Sindicato dos Lanifícios, pertenceu à Comissão Administrativa que tomou a Câmara

"Na manhã do dia 25 de Abril de 1974, quando cheguei ao trabalho, ouvi os meus colegas dizerem, muito agitados, que tinha havido uma revolução em Lisboa e que o governo de Marcelo Caetano tinha caído. Eu não sabia o que era uma revolução, mas relacionei logo com o fim da repressão e da polícia política", recorda Maria José Tomás, na altura secretária de Craveiro de Sousa, presidente da Câmara Municipal da Covilhã.
Às 11 horas ouviu-se uma algazarra nas escadas e um grupo de pessoas entrou no gabinete do presidente. "Lembro-me do Raposo de Moura e do Jerónimo dos Santos a gritar: "Isto agora acabou. Vamos para a varanda. Vamos abrir as portas da Câmara". Enquanto isto, cá fora, no largo do Pelourinho, a multidão crescia à medida que a manhã avançava.

O Montiel era o quartel general

A notícia do fim do regime de Marcelo Caetano ia-se espalhando. José Lemos, técnico de contas, era o presidente do Sindicato dos Lanifícios. Quando, de manhã cedo, soube o que se estava a passar em Lisboa não foi trabalhar. Telefonou aos amigos e juntaram-se no sítio do costume: o café Montiel que funcionou como quartel general. Apesar de terem passado muitos anos, José Lemos tem bem viva a memória dos acontecimentos desse dia. "A partir do meio dia, e até à meia noite, distribuímos oito comunicados à população, quase de hora a hora. Escrevíamos no Montiel e íamos imprimi-los no Sindicato dos Lanifícios. Pedíamos aos trabalhadores dos lanifícios e à população que se juntassem em frente ao edifício da Câmara". José Manteigueiro, um dos mais antigos fotógrafos da Covilhã, recorda que "às 9 horas da manhã já se via gente nas ruas. As fábricas fecharam, as escolas também. Sentia-se um ambiente de alegria. Parecia uma festa". Da parte da tarde estavam milhares de pessoas no largo do Pelourinho.
Durante essa noite um grupo de pessoas, conhecidos opositores do regime de Marcelo Caetano, reuniu-se para nomear uma comissão administrativa para a Câmara Municipal.

Três noites sem dormir

Também Gregório Arroz viveu intensamente os acontecimentos do dia 25 de Abril de 1974. Operário tecelão, fazia parte do Sindicato dos Lanifícios e era perseguido pela Polícia Internacional de Defesa do Estado (PIDE). Três dias antes de se dar a Revolução, Gregório Arroz estava na fábrica a trabalhar no tear quando foi levado pela PIDE para ser interrogado. Valeu-lhe o sangue frio para não se contradizer nas respostas às muitas perguntas que lhe fizeram. Por isso, para este operário "a melhor dádiva foi o 25 de Abril. Foi um grito de liberdade e democracia para os trabalhadores" salienta. Gregório Arroz soube de manhã, pela rádio, que estava a acontecer um levantamento militar em Lisboa. "Vim para o Pelourinho. Começou-se a juntar gente. Havia alegria na cara das pessoas. Não conseguíamos acreditar que a opressão de 48 anos tinha acabado". O Pelourinho era o local onde as pessoas se juntavam para acompanhar o desenrolar dos acontecimentos e saber as últimas notícias. "A emoção foi tanta que nos dias a seguir nem conseguia dormir com tanta alegria", recorda Gregório Arroz.
A população dos arredores da Covilhã também partilhou desta alegria. Francisco Marques trabalhava como adjunto de chefe de secção duma empresa de lanifícios do Teixoso, localidade a cinco quilómetros da Covilhã. "Lembro-me que os operários da FIPER, empresa onde trabalhava, quando souberam da acção desencadeada pelo movimento dos capitães, largaram o trabalho. A alegria era tanta que ninguém cabia na pele". Para este antigo tecelão, o 25 de Abril de 1974 foi a melhor coisa que podia ter acontecido depois de 48 anos de ditadura. "Desde 1940, quando tinha 17 anos, que sonhava com a liberdade e ela chegou naquele dia", salientou Francisco Marques.

"Um feriado qualquer"

E o que significa para os jovens de hoje o 25 de Abril? Marta Alves, de 26 anos, pensa que para a maior parte dos jovens o 25 de Abril não passa de uma data abstracta. "Na escola, os programas da disciplina de História dedicam muita atenção a épocas distantes da nossa vida colectiva como, por exemplo, os Descobrimentos. O que passou no século XX é dado a correr quase no final do ano lectivo. Por isso, se perguntarem a um jovem o que é o 25 de Abril le responde que é um feriado qualquer", desabafa esta professora de Fotografia e Audiovisuais. Pedro Ramos, de 24 anos, pensa que os objectivos do 25 de Abril não se concretizaram. "O programa do Movimento das Forças Armadas não se cumpriu. O nosso País não se desenvolveu. A indústria estagnou. Quase tudo o que comemos é comprado no estrangeiro. Vivemos num estado de dependência económica que nos conduz à dependência política. Na minha opinião, o nosso País precisa de outro 25 de Abril", declarou este estudante de Gestão da Universidade da Beira Interior.

[ler artigo sobre comemorações na cidade da Covilhã, alterações ao programa]

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