Cristão


Edmundo Cordeiro

A concepção cristã do tempo tem numa linha recta a sua imagem. Um tempo dotado de uma direcção e de um sentido, um tempo que se desenrola de uma maneira irreversível, desde a sua criação até ao seu fim, uma progressão desde a queda inicial até à redenção final, figurada pela incarnação de Cristo. Trata-se da "via recta" agostiniana: a "novitas" cristã, onde tudo se produz uma só vez. A história da humanidade passa a ser a história da realização progressiva de uma redenção cujo fundamento está em Deus, onde cada acontecimento permanece único e insubstituível.

Isso é indicado naquela passagem de Santo Agostinho citada por Jorge Luís Borges (BORGES ORAL, tradução de Rafael Gomes Filipe, Vega, Lisboa, s/d): NON IN TEMPORE, SED CUM TEMPORE DEUS CREAVIT CAELA ET TERRAM (Não no tempo, mas com o tempo, criou Deus os céus e a terra).

Mas isso não impede estas angustiadas palavras de Santo Agostinho - e talvez seja mesmo a causa delas: "O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém mo perguntar, eu sei; se me fizerem a pergunta, já não sei. Porém, atrevo-me a declarar, sem receio de contestação que, se nada sobrevivesse, não haveria tempo futuro, e se agora nada houvesse, não existia o tempo presente. De que modo existem aqueles dois tempos - o passado e o futuro - se o passado já não existe e o futuro ainda não veio? Quanto ao presente, se fosse sempre presente, e não passasse para o pretérito, já não seria tempo mas eternidade. Mas se o presente, para ser tempo, tem necessariamente de passar para o pretérito, como podemos afirmar que ele existe, se a causa da sua existência é a mesma pela qual deixará de existir? (...) Se pudermos conceber um espaço de tempo que não seja susceptível de ser subdividido em tais partes, por mais pequeninas que sejam, só a este podemos chamar tempo presente. Mas este voa tão rapidamente do futuro ao passado, que não tem nenhuma duração. Se a tivesse, dividir-se-ia em passado e futuro. Logo o tempo presente não tem nenhum espaço." (CONFISSÕES, tradução de Craveiro da Silva, Livraria Apostolado da Imprensa, Braga, s/d., pp. 303-306.)