Anabela Gradim

Preguiça

As férias estão a começar. Dentro de escassas semanas, as escolas dos diversos níveis de ensino fecham as portas, mandando professores e alunos para as suas casas. É certo que as férias estão cada vez mais curtas. Há 15 anos chamavam-se com propriedade Férias Grandes, e que grandes eram elas - podia contar-se, pelo menos, com 3 meses de preguiça. Agora são-no cada vez menos, em parte porque as famílias já não podem acompanhar os jovens, e temem muito justamente o tempo que estes passam sozinhos. Daí até ao exagero oposto, vai um passo. Como aquelas crianças infelizes, que têm tantas actividades extra-curriculares que as suas agendas são mais preenchidas que as de ministros: 2ª artes marciais, 3ª piano, 4ª ténis, 5ª equitação, 6ª inglês, sábado informática e domingo natação. Devem viver permanentemente atordoados. E não lhes sobra tempo para pensar. Nem para se sentirem vivos. Mas no Verão é diferente. O calor convida à letargia, ao descanso puro ou à leitura de um livro, por puro prazer. As férias deveriam ser assim, tempo de descoberta, de aventura, de curiosidade intelectual e satisfação da mesma, por puro gozo, pelo jogo, sem constrangimentos. Servirem para preguiçar, ao sol ou dentro de água, ao relento ou debaixo de telha. E restaurar a alegria do tempo perdido. Perder tempo, não pensar em nada, e deixar crescer o espanto. É preciso tempo para a completa paz de espírito, algo que podemos por exemplo encontrar na imagem de abandono de um gato que preguiça ao sol. Mas talvez ninguém o tenha colocado tão bem como Konrad Lorenz, o etologista, que descobri numas longínquas férias: "Quando estou farto até aos olhos de trabalho intelectual, quando as conversas elevadas e corteses quase me põem doido, quando a simples visão de uma máquina de escrever me enche de repulsa, sentimentos estes que geralmente me dominam no final de um ano lectivo normal, então decido 'ir ter com os cães'. Retiro-me da sociedade humana e procuro a dos animais - e isso por uma razão muito simples: não conheço praticamente nenhum ser humano que seja suficientemente preguiçoso para me fazer companhia quando estou nesta disposição, uma vez que possuo o dom inestimável de ser capaz, quando num estado de grande contentamento, de desactivar por completo as minhas faculdades mentais superiores, condição essencial para a completa paz de espírito... Este nirvana animal é uma panaceia inigualável para a tensão mental, um verdadeiro bálsamo para o espírito apressado e atormentado do homem moderno, que os tempos actuais ulceram impiedosamente".
Mas afinal quando chega o calor?