CONTORNO


Edmundo Cordeiro

As mulheres muito belas não me constrangem, apagam por completo todo o meu aparecer. (Eu sei, "todo o meu aparecer" não fica bem, quer dizer…)

É muito difícil não darem por nós. Eu só consigo isso diante de mulheres muito belas, que se bastam a si próprias na sua beleza e que não querem dar por nada.

Sou um chato. Um chato é um tipo que não entretém. Quem não entretém, aborrece. Mas nunca sou chato de propósito, ou inadvertidamente. Sou mesmo chato.

Sempre achei ridículo o uso do termo estória. O significado da palavra história é muito grande, engloba vários particulares, todos em relação com esse grande que não é somente a soma deles. Para isso não é preciso outra palavra.

Há dezena e meia de anos, e depois, mais fortemente, de há uma dezena de anos para cá, pude atestar o valor ganho pelo termo contexto. (Quando se acha que se pensa, diz-se que depende do contexto, e ele é "social", "cultural", "económico".) Sempre me pareceu bizarro, porque para mim nada depende do contexto. Depende do contexto? Não vejo muito bem.

Outro termo que, também de há dezena e meia de anos para cá, ganhou foros de cidadania (permitam que me exprima assim), foi o autoconceito. A partir daí, o autoconceito foi coisa que se passou a "estimular", quando não a "incutir". As sociedades maiores e as sociedades mais pequenas, como as escolas, estão hoje cheias de autoconceitos estimulados e incutidos. Derrocada do sublime, total incapacidade de alcançar a estima espiritual (Kant). Parada demasiado alta? Ok.

Ao termo contexto e ao termo autoconceito é devido todo o sucesso da sociologia e da psicologia.

(Os puristas, tal como os puros, os charutos, são pesados, cansam-me, tal como ao narrador de O DELFIM: " 'puro', uma palavra que me cheira logo a lavradores em Sevilha, Calle Sierpes, touradas e sangrias no jarro ". José Cardoso Pires.)