António Fidalgo

O sentido das férias

O sentido das férias é o descanso. Na narrativa fundadora da nossa civilização lemos que Deus depois de fazer o mundo durante seis dias ao sétimo descansou. A divisão do tempo em períodos de trabalho e de descanso é assim um modo fundamental de organizar a vida. Diariamente dividimos o tempo em trabalho e em repouso, sobretudo o dedicado ao sono, semanalmente separamos a semana de trabalho do seu término, o fim de semana, e anualmente elegemos de entre os doze meses um mês para as férias. E mesmo ao longo de uma vida existe o tempo de trabalho e de seguida o tempo de reforma.
Mas o sentido do descanso está no trabalho efectuado. Não tem sentido descansar quando não se trabalhou. São as canseiras do trabalho que justificam o descanso. Aos momentos de actividade seguem-se momentos de pausa.
Seria, no entanto, pouco profundo reduzir o descanso apenas a uma questão física, biológica ou fisiológica. Deus descansou e com certeza que não foi por cansaço. Há algo de mais profundo que devemos buscar no sentido do descanso após o trabalho, e isso é a obra feita. Deus descansou para ver o que tinha feito, e viu que a obra das suas mãos era boa.
As férias têm o sentido de descansar após o esforço de um ano de trabalho, mas, para além disso, também têm o sentido de olhar - com olhos de ver! - para o que se fez. A separação do tempo entre tempos de actividade e de inactividade serve para uma distanciação daquilo que fazemos e, desse modo, o avaliarmos. O descanso humano, as férias, representa muito mais do que períodos de manutenção, próprios de máquinas. As férias são um tempo de repouso, de distanciação do que se fez, de olhar para a obra feita de longe e nos interrogarmos sobre o trabalho feito, do qual descansamos. É que nem todo o trabalho tem sentido, e quantas vezes ele não tem mesmo sentido na nossa cultura. Ora as férias são o tempo necessário e propício ao questionamento e à avaliação do sentido do trabalho.
O sentido das férias está no descanso do trabalho, mas visto que o sentido do trabalho não está nas férias, convém utilizar as férias para, na distância do que fazemos com o trabalho, buscarmos o sentido deste. É na bondade da obra feita que reside o sentido do trabalho e as férias são então para aquilatar essa bondade.