Por Ana Maria Fonseca e Patrícia Caetano


A Casa do Menino Jesus é a única do seu género que recebe raparigas dos concelhos de Belmonte, Covilhã e Fundão

Vera veio passar o fim de semana a casa. Com 21 anos, prepara-se para o último ano da Licenciatura em Gestão Hoteleira que frequenta em Portimão. Se entendermos por casa o sítio que alguém elege como abrigo, onde encontra a força necessária para encarar as faces da vida, Vera está neste momento no seu lar, a Casa do Menino Jesus. Com um sorriso meigo, conta como nunca pensou que conseguiria entrar na universidade. "Se não fosse o apoio das Irmãs e das outras pessoas que me acompanharam nesta casa, nunca teria conseguido alcançar este sonho".
Após a morte da mãe, Vera apenas com 16 anos, sentiu o seu mundo desmoronar-se. O pai, sofrendo de instabilidade emocional, não pôde cuidar dela e dos dois irmãos. Na altura, orientada por uma assistente social, escolheu ir viver para a Casa do Menino Jesus. "Foi muito difícil a adaptação às regras impostas pelas Irmãs. Eu já tinha liberdade para sair à noite, fumava e tinha começado a namorar. Embora não me tenham proibido de namorar ou de fumar, a minha vida mudou radicalmente."
Vera enquadra-se no perfil das raparigas que são acolhidas por esta congregação.
É dos meios familiares degradados económica ou moralmente, onde as crianças são vítimas de maus tratos, físicos e psicológicos, que vêem a maioria dos utentes desta instituição. Um dos principais problemas que levam ao desmoronamento das famílias é o alcoolismo que provoca muitas vezes uma despreocupação para com as crianças.
Actualmente, a Casa do Menino Jesus, presta à comunidade um serviço de solidariedade social. O acolhimento de meninas entre os 4 e os 18 anos, é feito em casos em que se encontram privadas de um equilíbrio familiar normal. Abrangendo os concelhos de Belmonte, Covilhã e Fundão, esta é a única do seu género que recebe raparigas. Neste momento, as Irmãs Reparadoras de Nossa Senhora das Dores de Fátima, têm a seu cargo 30 raparigas e um rapaz. "Por norma só aceitamos crianças através de decisão dos tribunais ou da Segurança Social", explica a Irmã Arminda, directora da instituição.

Encaminhar uma família numerosa

À frente da coordenação da casa há 7 anos, a Irmã Arminda fala do quotidiano desta "família alargada". Com um sorriso aberto descreve como é viver 24 horas com estas raparigas. "Elas às vezes zangam-se, e chamam nomes umas às outras, mas normalmente há um carinho muito grande entre elas".
A rotina destas miúdas rege-se por regras. A alvorada é às 7 horas e existem tarefas a cumprir ao longo do dia, ligadas à arrumação da casa. Depois da escola, os tempos livres são repartidos entre as horas de estudo e a aprendizagem de diversos lavores. Bordados, ponto cruz, tapetes de arraiolos e pinturas, são alguns dos trabalhos que já figuraram em várias exposições, onde foram vendidos, revertendo o valor a favor da casa. Existem igualmente momentos de lazer que são passados nas salas de estar. A instituição dispõe também de computadores ligados à internet, e de uma ampla sala de estudo com biblioteca.
De facto as condições oferecidas pela casa reflectem um cuidado com o conforto das crianças. O espaço é amplo e arejado. Pelos quartos e corredores espalham-se peluches e quadros coloridos. Aqui, o objectivo fundamental é proporcionar uma infância e adolescência o mais normal possível. Por isso, as miúdas em idade escolar frequentam escolas públicas, onde aprendem tal como as outras crianças, a viver dentro da comunidade. "Às vezes há a ideia que as meninas que estão aqui nesta casa são umas coitadinhas, e eu não suporto isso. Tenho-as defendido o mais que posso, porque nós temos de ver que elas são meninas como as outras". É este o motivo que leva a Irmã Arminda a lutar por uma sensibilização junto daqueles que querem contribuir para o internato. Por exemplo, quando se fomentam campanhas para recolha de livros. "Pedagogicamente não devemos oferecer um livro que já esteja escrito", alerta a Irmã Arminda, também educadora infantil. Para as Irmãs é preferível perguntar à instituição se precisa de algo que permita melhorar o aconchego deste lar, do que oferecer coisas velhas e usadas que poderão criar complexos de inferioridade nestas miúdas.

Ensinar a crescer

No final de cada ano lectivo, as raparigas que tiveram bom aproveitamento escolar recebem uma compensação. Uma forma de incentivo que também retém um aspecto prático. Um bónus de 20 contos, oferecido pela instituição, que normalmente se destina à compra de roupa ao gosto de cada uma.
É nestes pequenos gestos que se reflecte a dedicação das seis Irmãs Reparadoras que educam as raparigas. Porém, nem sempre essa dedicação é reconhecida. Há casos em que a revolta de viver numa instituição nunca chega a sarar. A Irmã Arminda explica que "dentro delas há sempre uma pergunta: Porque é que hei-de estar aqui e não na minha casa?".
No entanto, o apoio e o amor quase maternal que une as freiras às miúdas, é também correspondido. "As Irmãs têm uma relação especial com as crianças, porque contactam com elas no dia a dia e lidam directamente com os seus problemas. De certa forma, acabam por substituir a família clássica". Esta é a opinião de Vera que viveu vários anos na Casa do Menino Jesus. Se no início esta jovem se sentia constrangida com o facto de viver numa instituição religiosa, agora está grata por tudo o que fizeram por ela. "Sentia vergonha. Estava sempre com a sensação que toda a gente olhava e sabia que éramos da Casa do Menino Jesus, quando andávamos na rua com as freiras".
Com a idade os sentimentos amadureceram. Hoje reconhece o valor do que fizeram por ela. Por isso planeia dedicar algum tempo a crianças carenciadas. "Se eu puder ajudar as meninas como sei que já alguém o fez por mim, e eu sei o que isso significa, claro que quero fazer o mesmo".
Apesar dos receios que tem em relação ao futuro, Vera sabe que pode sempre contar com o apoio das Irmãs e que as portas da Casa do Menino Jesus estarão sempre abertas.




 
Voluntários criam laços de amizade


O sentimento de solidariedade estende-se ao exterior da casa. São várias as contribuições que a instituição recebe, quer de entidades, quer de anónimos. Se por um lado as ofertas materiais proporcionam mais conforto, o bem que os voluntários levam às crianças não tem preço. Para além do apoio pedagógico criam-se também laços de amizade. "Gosto muito das raparigas voluntárias, ajudam-nos e conversam connosco", diz Mónica, 13 anos, há um ano e meio a viver na Casa do Menino Jesus. Com um olhar reticente, revela a sua vontade de vir a ser professora de educação física. "Gosto muito de desporto". A pequena Sandra, por seu turno quer ser médica "para poder tirar sangue às pessoas e também ajudá-las". Dos seus 8 anos de idade, dois foram passados na instituição, onde partilha o quarto com as duas irmãs. Com um sorriso maroto conta-nos os seus planos para as férias do Verão "vou para a casa da minha madrinha que tem 23 anos e é cabeleireira".
A maior parte das crianças passa as férias em casa de familiares. "As meninas mostram muita vontade de ir a casa. Podem ter lá todas as misérias e mais algumas, mas para muitas é o seu lar", refere a Irmã Arminda. No entanto, há sempre quem fique no internato durante as férias escolares. Para estas raparigas, as Irmãs organizam passeios ao rio ou à serra.
Também a quadra natalícia é especial. Para além da ceia que se realiza 15 dias antes das férias, há troca de prendas. As meninas mais novas escrevem uma carta ao Menino Jesus. "Normalmente nunca pedem presentes caros", por isso as Irmãs têm na maior parte das vezes possibilidade de lhes proporcionar o que pediram
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  Há 83 anos ao serviço da comunidade

A casa do Menino Jesus nasceu na Covilhã em 1918, pela mão do Cónego Anaquim. Em conjunto com um grupo de cidadãos, este benemérito começa a recolher crianças e a dar-lhes abrigo na Rua da Ramalha. O objectivo, nesta altura era acolher meninas órfãs que haviam perdido os pais na I Guerra Mundial.
Em 1961, a casa passou a ser orientada pelas Irmãs Reparadoras de Nossa Senhora das Dores de Fátima. O fundador desta congregação, Cónego Manuel Formigão, presenciou algumas aparições de Fátima e falou várias vezes com os pastorinhos. Quando Jacinta estava hospitalizada em Lisboa, apareceu-lhe Nossa Senhora de Fátima, e disse-lhe que precisava de Almas Reparadoras. Foi esta mensagem que Jacinta transmitiu a Manuel Formigão que acabou por fundar a congregação em 1926.
Actualmente ao cuidado das Irmãs Reparadoras há, na Casa do Menino Jesus, várias actividades em curso. Além do serviço que prestam à comunidade através do acolhimento de crianças desamparadas, têm também a funcionar uma creche e um jardim de infância, que neste momento são frequentados por cerca de 40 crianças.
A partir do próximo ano, a instituição vai pôr ao serviço da comunidade o Centro de Intervenção Social e Psicopedagógica. Um projecto que pretende combater o insucesso escolar. Assim, a partir de setembro próximo, qualquer criança dos 5 aos 14 anos de idade que tenha dificuldades de aprendizagem pode receber um acompanhamento nesta instituição.
Cabe às escolas da cidade da Covilhã e Boidobra enviar os alunos para este serviço. Uma vez encaminhadas, as crianças terão ao seu dispor um psicólogo que averiguará as causas do insucesso. Deste modo, se o problema se prender com dificuldades de aprendizagem simples, o aluno poderá contar com a orientação de educadores de infância e professores. Se, por outro lado, o problema residir na família, o acompanhamento ficará a cargo de uma assistente social que poderá até convidar os pais a um encontro com o psicólogo.
Oitenta anos após a sua fundação, a Casa do Menino Jesus mostra-se atenta às novas necessidades das crianças.