Por Mariana Morais


O covilhanense Ruy Faleiro, que deu nome à rua que liga a Covilhã à Serra da Estrela, foi um notável cosmógrafo do século XV

Consta nas enciclopédias que Ruy Faleiro foi um dos mais notáveis cosmógrafos dos séculos XV. Este covilhanense, viveu na época dos descobrimentos, estudou matemática e descobriu novos processos na arte de marear.
A Rua Ruy Faleiro começa junto ao Teatro-Cine e liga a Praça do Município à Serra da Estrela. José António Pinho, gerente comercial, conhece bem os últimos 50 anos da vida desta rua. "Foi sempre uma rua com muito movimento. Ainda me lembro das mercadorias serem transportadas da estação do comboio para aqui em carroças puxadas por cavalos", . Como é a rua que liga a Covilhã à Serra da Estrela, havia duas lojas de artigos de desporto, onde se vendiam skis, assim como botas e fatos próprios para a neve Havia também perfumarias, lojas de roupa e de electrodomésticos.
Existe uma característica curiosa no comércio desta rua. Apesar de ser uma das artérias principais da Covilhã, na Rua Ruy Faleiro não há lojas centenárias. Quando os proprietários envelhecem, as lojas mudam de dono e, muitas vezes, de ramo. Isso deve-se, na opinião de José Pinho, "ao facto da vida no comércio tradicional ser muito cansativa, sem horários nem feriados e, por isso, os filhos dos comerciantes procuram outras profissões". Mas, esta rua é rica em acontecimentos cheios de imaginação e criatividade.

A Rádio Pinóquio

Nos anos 40, na Rua Ruy Faleiro, em frente ao antigo Banco de Portugal existia a papelaria Sicol. Nesse espaço funcionou a Rádio Pinóquio, uma pequena rádio local que teve origem no Sanatório dos Ferroviários. Localizado na Serra da Estrela, perto da Varanda dos Carquejais, este sanatório tratava doentes com tuberculose. A Rádio Pinóquio foi criada por alguns doentes do sanatório que tinham a paixão pela rádio. A certa altura, os médicos aperceberam-se que os doentes em vez de melhorar pioravam. O entusiasmo era tanto que descuidavam os tratamentos e a alimentação. Por essa razão, e também para melhorar as condições técnicas, a estação de rádio mudou para a cidade e foi instalada na papelaria Sicol. Manuel Pinho, técnico de electrónica, estabelecido na rua há muitos anos, conta que "apesar de a Rádio Pinóquio ser uma rádio pequena chegava a ser ouvida em Espanha." Manuel Pinho prestava assistência técnica e também fazia programação e locução. "Depois veio o Óscar Monteiro, o Ferreira da Silva e outros, sem falar no Belmiro da Fonseca, proprietário da Sicol", acrescenta.
Faziam emissões diárias de dez horas. Desdobravam-se em actividades múltiplas. Programas de discos pedidos, divulgação do folclore, espectáculos para os doentes pelo Natal, tudo era feito apenas com o trabalho voluntário e o entusiasmo dos colaboradores. A Rádio Pinóquio foi das primeiras rádios regionais a acompanhar o Sporting da Covilhã nos jogos fora de casa. "Trabalhávamos por carolice, porque o lucro não cobria as despesas. O estúdio era a minha banca de trabalho", recorda com orgulho este técnico de electrónica e radialista. A Rádio Pinóquio funcionou desde os finais dos anos 40 até meados dos anos 50. Ainda hoje, passados tantos anos, Manuel Pinho recorda com saudade esses tempos porque, ele diz, "o bichinho da rádio nunca morre".

O Clube Nacional de Montanhismo

Outros acontecimentos se registaram nesta rua de tão antigas tradições. No sítio onde hoje existe uma "Loja dos 300", esteve instalada, entre 1958 e 1986, a sede do Clube Nacional de Montanhismo. Fundado em 1953, este clube teve à sua frente pessoas com grande prestígio na cidade. Da sua direcção fizeram nomes como o do médico Fausto Elias da Costa, João Bernardo Gíria e João Borges Terenas, entre outros apoiantes do Estado Novo. Da parte da oposição faziam parte o advogado Guilherme Raposo de Moura, Jerónimo dos Santos, Fausto de Abreu, António Paulouro e outros. Naquele tempo era proibido falar de política, por isso, as discussões eram acerca do clube e da maneira como cada pessoa via o desporto. "Ficaram famosas as assembleias gerais desse tempo porque, embora fossem pessoas de ideias políticas opostas, de ambos os lados havia bons oradores. Havia gente que não faltava a uma assembleia só para os ouvir falar. As pessoas debatiam as suas ideias porque o clube era e é um espaço onde o sentido da liberdade e da dignidade humanas sempre esteve acima de tudo.", recorda José António Pinho, também ele director do Clube Nacional de Montanhismo.
Hoje, a Rua Ruy Faleiro, como todas as outras ruas à volta do Pelourinho, vive na expectativa do final das obras do silo-auto. Entre os moradores e os comerciantes existe a convicção de que enquanto esta rua for uma saída para a Serra da Estrela será sempre uma rua com futuro.