PERIGO


Edmundo Cordeiro


Paul Virilio, numa entrevista intitulada LA DÉFAITE DES FAITS (A derrota dos factos), publicada em L'AUTRE JOURNAL, nº 4, 1993. Excertos.

PRIVATIZAÇÃO DA GUERRA

"A guerra evoluiu. As bombas do World Trade Center, a de Bombay, ou mesmo a que destruiu uma prisão em Darmstad, são estruturas que fazem o terrorismo mudar de escala. Um indivíduo com 600 quilos de explosivos pode fazer ruir a torre e fazer dez mil mortos - o equivalente, portanto, a um bombardeamento de uma cidade durante a Segunda Guerra Mundial. Basta simplesmente um tipo com uma camioneta e alguns colegas e a coisa funciona. A postura tipo NATO é uma postura clássica, académica, não tem em conta esta mudança do regime da violência. Depois da Guerra do Golfo, assiste-se a uma miniaturização da guerra, a qual é uma preparação para o terrorismo nuclear. Sendo feito ainda com explosivos clássicos, é já uma situação de terrorismo sem referência conhecida. Podemos imaginar o pior com a proliferação das armas nucleares. E mais ainda, ataca-se o próprio símbolo da modernidade, a torre. Atacar a torre é atacar o valor fundamental da cidade contemporânea. Se amanhã, enquanto se assiste a um desenvolvimento internacional das megalópoles, este género de atentado se repetir, haverá um perigo extremamente grave ao nível da própria propriedade, quer dizer, aquilo que constitui a própria riqueza da cidade - a concentração de indivíduos numa torre -, tornar-se-ia num sinal de fragilidade extraordinária. // O segundo acontecimento absolutamente novo é o perigo de uma privatização dos conflitos. Esquece-se que a guerra pública só foi inventada no século XV. A guerra, durante toda a época feudal, era privada. É a privatização da violência que faz com com haja chefes de guerra que pagam aos soldados e que se tornam senhores da guerra. (…)

PRIVATIZAÇÃO DAS COMUNICAÇÕES E DAS POLÍCIAS

Neste momento, em que se fala em privatizar os Correiros, as Telecoms, os Caminhos de Ferro, etc., por que não a polícia, por que não o exército? Quer-se fazer prisões privadas, por que não polícias privados? O desenvolvimento das polícias municipais é um sinal. Quando um Presidente de Câmara utiliza o seu poder para armar uma polícia municipal desencadeia um processo que é o de se rodear de uma guarda, quer se queira ou não. É o grande perigo da Europa neste momento, não apenas na Jugoslávia, mas também em Itália, e é um perigo considerável. Toda a história política da Europa é a da monopolização da violência pelo Estado, que culminou na dissuasão, quer dizer, nos blocos. O equilíbrio do terror era um arco esticado entre os blocos de Leste e de Oeste. Um dos blocos caiu e, claro, o equilíbrio esboroa-se. A estrutura nuclear que paralizava a história esboroa-se e encontramo-nos diante do que chamo um desequilíbrio do terror. (…)

GUERRA E DESEMPREGO

Há hoje três milhões de desempregados e, em duas ou três gerações, haverá três milhões de empregados… Quer dizer que o desemprego, hoje, não é conjuntural, não está ligado à ausênsia de desenvolvimento, está ligado ao desenvolvimento. No século XIX inventou-se a máquina-utensílio. É a época em que a ciência considera que a matéria é energia e massa. Isso levou à revolução dos transportes e à revolução industrial. Na nossa época, em que matéria = energia + massa + informação, inventou-se a máquina de comandos numéricos e, por aí mesmo, liquida-se o proletário, aquele que fazia trabalhar a máquina; e como esta máquina pode gerar tudo e mais alguma coisa, o desemprego técnico vai-se desenvolver inexoravelmente pela proliferação da automação ligada à revolução informática, que substituiu a revolução industrial. É a tirania da informação que nos vai fazer chegar amanhã a vinte milhões de desempregados. Em 1981, quando a esquerda chegou ao poder, fomos convidados pelo Ministério da Indústria, com Yves Stourdzé, que tinha lançado o Centro de Estudos das Técnicas Avançadas, e com Jean-François Lyotard. A nossa posição era a de dizer: "Se continuam assim, vai haver desempregados por todo o lado, vai ser preciso blindar os vossos veículos e rodear a vossas fábricas com campos de minas, quando tiverem toda a gente na rua. Haverá um problema ligado à automação da produção." Na altura falava-se em automatizar a produção, e não ainda a concepção, quer dizer que só os proletários eram atingidos. Hoje são os quadros. O que dissemos foi mal visto e retirámo-nos. (…)"