"Este é um baptismo onde reina a lei da selva: tudo pode acontecer"
Crónica de um baptismo académico
Quanto mais sujo...melhor

A UBI voltou a baptizar os seus "caloirinhos". Foi na passada quarta-feira, dia 24 de Outubro. Um dia com muito espírito académico e, como não podia deixar de ser... com muita porcaria.


Por Anselmo Crespo


Quando somos pequeninos, os nossos pais levam-nos à igreja para sermos baptizados. Vestem-nos a rigor (por norma de branco), convidam familiares e amigos para assistirem à cerimónia em que o padre nos põe água benta na cabeça. É o dia do nosso baptismo... Caloiro que é caloiro tem que ser baptizado. Na Universidade da Beira Interior a tradição voltou a ser o que sempre foi. Os caloiros preparam-se a rigor, tal como quando eram pequeninos, mas desta vez escolheram a roupa mais velha que tinham em casa. Houve até quem fosse às compras, num gesto que pode ser considerado, por alguns, de capitalista, para arranjarem duas peças de roupa por mil escudos, daquelas que se possam deitar fora depois de serem usadas uma vez. Este é um baptismo onde reina a lei da selva: tudo pode acontecer. Mas uma coisa, todos têm a certeza: quem ali se meter, não consegue e sair limpo.
A tarde apresentava-se soalheira. A noite, por ter sido longa para muitos, fazia-se notar nas olheiras grossas e papudas. Antes de serem encaminhados para o "teatro de guerra", os caloiros ficam finalmente a saber o que ditou a sentença dos seus "superiores". Um a um, vão recebendo o seu nome de praxe que, em princípio, terá a ver com o nome que os seus pais lhe escolheram, com a cidade de onde vêm ou com alguma característica mais acentuada, à qual não conseguem fugir. A verdade é que em 90 por cento dos casos, as famosas asneiras não podem faltar. Resignados com o nome escolhido pelos seus mestres, grão mestres e veteranos, os caloiros perfilam-se, uns atrás dos outros, em direcção ao local onde serão baptizados em nome da "santíssima praxe". A cantar, pois então, afinal este é um dia de festa, como o havia sido no o dia em que pela primeira vez foram baptizados na igreja.
Chegados ao "teatro de guerra", e já com uns ovos e farinha em cima, os caloiros encontram-se com outros "baptizandos". O cheiro nauseabundo denuncia vários tipos de "produtos", entre os quais, porventura o mais acentuado, bosta, muita bosta. Os caloiros lá vão rastejando em cima dessa bosta que os vai perfumando, sempre com muito boa disposição, a cantar músicas que enaltecem o seu próprio curso. Nunca na vida o caloiro desejou tanto andar sujo e mal cheiroso. Ao contrário do que se passa todos os dias, no baptismo destoa quem não estiver sujo. Ninguém escapa.

Ao mesmo tempo que lacaios, mestres, grão mestres veteranos e afins vão sujando os caloiros, vão-se eles próprios sujando entre eles. Os "produtos" são do mais variado possível. Depende da imaginação de cada um. Vai desde os mais básicos ovos e farinha, ao ketchup, banha de porco, graxa, azeite ou vinagre. O que importa é que suje e cheire mal. Tudo em nome do divertimento, da folia de quem por um dia pode "ajavardar" à vontade. A principal regra é não haver regras. Durante quase três horas canta-se, grita-se, corre-se, rasteja-se pelo chão, deita-se a baixo os outros cursos... tudo na mais pura porcaria.


Antes do baptismo propriamente dito, os caloiros são sujos e sujam-se uns aos outros com as mais variadas "mistelas"
O sol já se escondeu atrás da serra. A temperatura desce e os "coitadinhos" dos caloiros começam a tremer de frio. Aproxima-se a hora do baptismo. Sim, porque o que se passou até aqui foi apenas a preparação. Curso por curso, os caloiros dirigem-se para junto de uma mangueira. O "padre", ou seja, quem baptiza, é o aluno do curso com mais matrículas... porque afinal, nestas coisas, as matrículas também são um posto. A tremer de frio, cansados de tanto saltar e gritar e já a sonhar com um belo banho, os caloiros aproximam-se da "abençoada mangueira", que os tornará "caloiros da UBI".
São horas de ir para casa. Pela frente estão algumas horas de banho. Na cabeça e no corpo transportam uma quantidade de porcarias, capazes de deixar a mais paciente das mães furiosa. E eu... Eu também já estou a caminho de casa, sujo pois claro. Como é que julgam que podia relatar tudo isto, se não me tivesse metido lá no meio...?