Anabela Gradim

Estudantes adormecidos


Um dos efeitos da demissão do Primeiro Ministro na sequência do resultado das últimas autárquicas foi o congelamento do Novo Regime de Recrutamento e Colocação de Docentes, documento já na sua quarta versão, e que vinha sendo cuidadosamente preparado pelo Ministério da Educação para entrar em vigor já nos concursos de Janeiro deste ano. O diploma estava a ser negociado vírgula a vírgula pelos sindicatos do sector, e era motivo de preocupação para muitos professores, não só, por razões óbvias, os contratados, mas para os milhares de destacados por esse País fora, a quem fora prometido que teriam de voltar, sem apelo nem agravo, às escolas onde um dia efectivaram.
A ratio do ministério, que parecia presidir à elaboração do documento, por seu turno, era a seguinte: acabar de vez com os mini-concursos, que tanta mediática dor de cabeça provocavam por alturas de Setembro; e acabar, tanto quanto possível, com as manifestações e movimentações de professores contratados e não colocados, tendo em conta a subtil aritmética de que acabar com manifestações não significa necessariamente acabar com os problemas que lhes dão origem.
Estranhamente, o documento que trazia os professores em polvorosa - embora baixinho, porque estavam a ser oferecidas algumas contrapartidas - nunca preocupou os estudantes. E devia. E muito. Até 14 de Dezembro, altura em que o ME apareceu com a sua 4ª e última proposta, no que toca a estudantes o documento previa o seguinte: nos concursos, os professores que já tivessem tempo de serviço concorriam sempre à frente dos candidatos que nunca tivessem ensinado (em eduquês diz-se "numa prioridade diferenciada"). Em termos práticos isto significava que se a Martinha se licenciasse com 17 valores, e a Ritinha, com 12, mas já tivesse dado dois dias de aulas, nos concursos, a Ritinha ficava sempre à frente da Martinha. E se só houvesse uma vaga e duas candidatas, tanto pior para a Martinha e o seu 17, que ficava no desemprego ultrapassada por um 12, e com poucas razões para se manifestar, pois se nunca tinha trabalhado, não era professora, e muito menos professora desempregada. Num tempo suficientemente longo, o sistema acabaria assim, mediante a engenharia das prioridades, por absorver todas as pessoas que já lá tinham entrado, colocando um apertadíssimo torniquete à entrada de mais, novos candidatos. Ora o preço disto era a subversão do espírito do concurso público (o melhor candidato para o lugar) substituído pelo comodismo público (o que fizer mais barulho para o lugar).
A última proposta do ME prevê agora, no estabelecimento das prioridades, três anos de serviço docente. É mais justo, e mais equilibrado, que a versão anterior. Mas é mais justo em si? A Martinha e o seu 17 perdem sempre. É que um candidato com 12, e 3 anos de serviço, que para efeitos de concurso fica com 15 valores, consegue, ainda, ficar sempre à sua frente - e isso pode ser a diferença entre a Martinha conseguir, ou não, fazer o tempo de serviço que lhe permita alcaçar a prioridade "boa".
Isto não se passa no país ao lado, nem na lua. É em Portugal, só não entrou já em vigor por puro acidente. Mas os estudantes nem repararam. Na UBI, onde há suficientes cursos via ensino, a Associação de Estudantes e os alunos não se podem alhear de algo que é muito mais sério que mais propina, menos propina, mais tostão, menos tostão. Estão os estudantes de acordo numa matéria que objectivamente os prejudica? É hora de acordar e dizerem de sua justiça, pois seja a proposta congelada, ou outra, a ver a luz do dia, o espírito que a anima é este e não mudará a não ser que o obriguem.