Nuno Miguel Augusto

Candidatos ao título e à despromoção



A expressão "promessa" ganhou rapidamente um sentido pejorativo, vá-se lá saber porquê. Agora, que estamos na fase delas, facilmente nos baralhamos entre um centro-direita estranhamente impressionado pelas vantagens da redistribuição quase marxista e de um centro-esquerda "corajoso" e capaz de resolver com duas ou três medidas toda a injustiça estrutural que marca teimosamente os sistemas social, político e económico deste país. Ambos com culpas no cartório (como aliás todos nós), espera-se ansiosamente os resultados das legislativas.
O PSD troca pontes e viadutos por reformas, pensões e outros tipos de assistência à família e, em paralelo, promete reduções no IRS nos estratos superiores. O PS, por seu lado, não tem nada para dar em troca, à excepção do Euro 2004 e a dificuldade em compatibilizá-lo com o atraso estrutural, a assistência médica ou a dívida pública. Paradoxalmente e no meio de tanto generalismo, os pequenos partidos parecem perdidos por entre os pequenos problemas que, por mais amplos que possam parecer, nos são explicados como mínimos políticos.
Num acto de desespero, os partidos excluídos da luta pelo "título", procuram as pequenas vitórias e radicalizam o discurso político-ideológico, concentrando-o em torno de questões importantes, mas excessivamente particulares. Podemos facilmente verificar um reforço das bases ideológicas em formações políticas como o PP, a CDU ou o BE.
Com um discurso fluido e acima de tudo popular, o PP reforça crescentemente o papel dos partidos conservadores - basta caminhar-se em três ou quatro mercados municipais, trocar umas palavras e ganham-se facilmente argumentos tocantes para a campanha que certamente agradará ao geral com recursos bem particulares e quotidianos. No meio de tanta quotidianeidade, lá poderão ressurgir os laivos nacionalistas e propor que antes da aula, numa postura séria, os putos cantem entusiasticamente "a portuguesa".
A CDU, face à possibilidade de um alqueviano Alentejo propõem a "distribuição das terras a quem as trabalha". Escusado será dizer que, se assim fosse (e face ao discurso excessivamente classista do comunismo português), se correria o risco de o PCP perder a sua base de suporte ao Sul. Que seria do proletariado agrícola (a principal fonte histórica de adesão ao PCP no alentejo)? Não é de todo desconhecido do comunismo o termo "aburguesamento" e a burguesia parece persistir como o inimigo-chave do "partido dos trabalhadores". Mas será que este conflito entre proletários e burgueses existe realmente? Qual a sua expressão na conflitualidade social, na manifestação desse conflito, na latência desse sentimento, no quotidiano?
O BE, por seu lado, é possivelmente o exemplo máximo do particularismo. Assumindo claramente uma postura pós-materialista e desprendida da ortodoxia marxista, enveredou pelos assuntos mais particulares, como o aborto ou a despenalização das drogas. Este discurso, com forte influência de um sentimento hippy e nostálgico, é fundamentalmente expressivo, pretendendo trazer um conjunto de novos assuntos para a agenda política. Não estranha, como tal, que seja uma formação política bastante representada por gerações mais novas. Mas, contrariamente à realidade de muitos países, Portugal vive ainda (ou como nunca) a materialidade, a sociedade de consumo e não tanto a pós-materialidade ou a cítica pós-materialista.
Entre os que vivem na "zona de despromoção" joga-se mais com o coração que com a cabeça, o que não acontece tanto nos candidatos ao título, que optam por uma lógica "ping-pong" onde as proposta são pouco mais que respostas a propostas, tornando a fonte das ideias algo dúbia e indeterminável, mas apetecível, porque potencialmente ganhadora. Supostamente, trata-se de uma questão de cabeça e de coração e, "quando a cabeça não tem juízo..."