Tiago, aluno da UBI e natural de Castelo de Paiva

4 de Março de 2002



Era Domingo. Como habitualmente, acabava de chegar de uma longa viagem de autocarro. Irónico. Lembro-me de ter ligado o rádio. Não era habitual, mas sintonizei um relato. Jogava o FCP com o Farense. Escutava atento, até que interromperam a emissão. Um microfone distante, que suportava uma voz grave, dava conta da queda de uma ponte num lugar chamado Entre-os-rios. Senti um arrepio da cabeça aos pés. Senti-me estranho, como nunca antes tivera acontecido. Não me desloquei durante uns minutos. Aguardava impaciente mais informações, um pequeno detalhe que fosse para correr para o telefone e ligar para Casa. Não consegui ligação nas primeiras tentativas. Era a única rede que não funcionava. Estabeleci enfim ligação e as informações eram vagas, talvez até duvidosas para quem estava perto, muito mais perto. Tal como neste momento, em que escrevo não sei bem o quê, eram umas dez e meia da noite. Foi há um ano. Nunca mais desliguei o rádio e jantei percorrendo ciclicamente todos os canais de televisão, em busca de alguma notícia que me desse a confirmação do que me parecia absurdo. Foge-me agora a certeza de afirmar qual o canal que difundiu primeiramente o sucedido. Na verdade, tal facto era-me completamente indiferente. Absorvia, com uma insaciedade extrema, cada palavra extraída do televisor. Já não havia imagens, nem jornalistas, nem notícias. Naquele momento, qualquer cadeia de palavras proferida carregava um sentido que poderia alterar definitivamente o meu conceito de absurdo. Informei os meus colegas que estavam lá em casa. Exclamaram. Percebi que não perceberam a situação. Naquela noite liguei ainda uma vez mais para Casa. Algumas dúvidas tinham entretanto virado certezas e alguns receios passavam agora a ansiedades e tensões crescentes em cada segundo que não passava. E nunca mais haveria de passar. Foi há uma ano. Adormeci sem que daquela vez estivesse, como seria normal, longe da minha terra. Foi demasiado estranho. Ninguém foi capaz de pronunciar correctamente o nome da terra de onde eram oriundos os que não regressavam. Talvez por isso tivesse ficado um pouco anestesiado. Como se a realidade me estivesse a passar ao lado. Deviam ser umas nove da manhã. Peguei no telefone. Seria agora que a verdade estaria vestida de palavras frias e prepotentes. Nunca mais, mas nunca mais esquecerei aquele desfile sonoro de nomes próprios que ocuparam toda a extensão da linha telefónica e que me pareceu tanto infinito como fantasmagórico. Ignoro, ainda hoje, aquela sensação que me levou tão longe e que me deixou tão só... inalterado. Como se tivesse ouvido gritos de socorro de uma criança com o sorriso mais ternurento do mundo. Foi há um ano e ainda não me cruzei com a realidade.


Tiago
Oliveira do Arda, 4 de Março de 2002