Carta Aberta ao Professor Paulo Moura

Caros Professores da Universidade da Beira Interior

Confrontados com a resposta do Prof. Paulo Moura à carta enviada pela AAUBI no início do semestre não pudemos deixar de dar o nosso contributo, ou melhor, o nosso ponto de vista, não só relativamente ao Insucesso Escolar propriamente dito, mas também a alguns comentários que foram proferidos pelo referido professor.

Em primeiro lugar congratulamo-nos com o facto de a carta da AAUBI ter sido lida e analisada pelo professor Paulo Moura, o que mostra desde já uma abertura bastante grande para discutir estas questões (nem todos os professores lêem a carta da AAUBI ou lhe dão a devida atenção).
No entanto é de referir que a carta da AAUBI não se destinava a um docente específico ou a um Departamento mas sim a toda a comunidade docente da UBI e a um problema de toda a Universidade.
Ora aí está o primeiro erro da carta, por nós recebida após a sua publicação no Urbi@Orbi. Esta dizia respeito ao conhecimento que o professor tinha da sua realidade, como ele diz "Este texto reflecte necessariamente a minha experiência como docente do Departamento de Informática.".
Quando abordamos uma questão delicada como seja a do insucesso escolar é necessário termos uma visão abrangente e consciencializarmo-nos que a responsabilidade não pertence somente aos alunos, mas sim a todos os agentes educativos, professores, alunos, pais, instituições, etc... No entanto, a sua resposta remete essa análise para uma literal culpabilização do aluno, pelo seu insucesso escolar, fazendo algumas considerações que vamos comentar:

"Actualmente, na generalidade das disciplinas, os alunos têm a possibilidade de participar em três provas de avaliação: frequência, exame e exame de recurso. Tal número de provas é excessivo, em nada contribuindo para o sucesso escolar."
Esta afirmação é, a nosso ver, grave! Mostra claramente um total desconhecimento sobre o regime administrativo e pedagógico. Os alunos têm dois momentos de avaliação: frequência e exame, o exame de época de recurso é pago pelo aluno não sendo por isso um momento como os outros!

Refere que os alunos, em geral, têm mais de cinco cadeiras num semestre, é realmente um facto, mas já analisou as causas desta situação? Se têm provas de avaliação todos os dias durante uma semana, e se eventualmente têm provas sobrepostas, então talvez concluamos que os mínimos apenas restringem os alunos, não lhes permitindo optar qual o momento a que se querem submeter a avaliação.
Refere também que a última semana de aulas é penalizada, uma vez que com o decorrer de frequências os alunos não assistem à generalidade das aulas e não assimilam a matéria leccionada para efeito de exame. Contudo, como deve saber, o Guia das Actividades Académicas (Que possivelmente por ser "um documento de leitura aborrecida" poucos o lêem) diz claramente que a última semana de aulas deve ser dedicada ao esclarecimento de dúvidas, bem como de preparação para a época de exames que se avizinha. Aliás diz o próprio guia que nesta semana não deverá haver lugar a frequências. Deixamos uma questão, será que a matéria leccionada na última semana pode por em causa o conhecimento adquirido pelo aluno durante todo um semestre?

É uma realidade que os alunos não vão às aulas, ou pelo menos, os índices de assiduidade deviam ser mais elevados. Mas porque é que os alunos hão-de ir às aulas quando estas são de três horas e o Professor dá somente meia hora de aula?! Onde é que está a pedagogia ou o interesse por parte do docente, quando os apontamentos de um semestre, da cadeira que lecciona, limitam-se a três folhas? Ou então, quando o professor passa duas horas a ler acetatos voltado de costas para os alunos! Estas situações são-lhe familiares? Esperemos bem que não! Porque com a carta que escreveu, temos a certeza que o Prof. Paulo Moura já o teria denunciado ou alertado superiores para estas e outras situações que se passam na nossa Universidade.

Concordamos inteiramente consigo quando afirma que "uma formação universitária implica adquirir os conhecimentos, os métodos de trabalho, a capacidade crítica que permita enfrentar os novos problemas que esperam os licenciados de amanhã", no entanto o mercado de trabalho é cada vez mais competitivo e encontra-se em constante evolução, ao contrário dos conteúdos programáticos, estruturas curriculares e metodologias de ensino. Quantos foram aqueles que já se pronunciaram sobre a ligação entre o Mercado de trabalho e o meio Universitário?!

Equívocos:
Relativamente aos equívocos apontados à carta da AAUBI, devemos esclarecer que segundo o estatuto da carreira docente, que por vezes é lido parcialmente, deixe-nos lembrar-lhe o artigo 63:
São deveres de todos os docentes:
a) Desenvolver permanentemente uma pedagogia dinâmica e actualizada
b) Contribuir para o desenvolvimento do espírito crítico, inventivo e criador dos estudantes, apoiando-os na sua formação cultural, científica, profissional e humana estimulando-os no interesse pela cultura e pela ciência;..."

Ou seja, esta alínea não vem de encontro à afirmação do Prof. Paulo Moura, que refere: "o regente de cada disciplina tem o dever de comunicar e esclarecer quais os critérios de avaliação. Não existe aqui subjacente uma questão de democracia. Existe, isso sim, uma questão de autoridade científica, que é do professor e não dos alunos."
Será que este ponto de vista trás dinâmica, criatividade, inovação, que nos coloca na linha da frente do Ensino Superior Português? Ou apenas faz de nós retrógrados, mecanizados e sem espírito inovador como no Estado Novo, cuja contestação causou tanta opressão? Supomos que não é, definitivamente, esta a chave para o sucesso escolar.

Alguns Factos Esquecidos
Não podemos deixar de concordar com o professor Paulo Moura, quando refere que " Sucesso não é um direito. É um objectivo. Um objectivo que requer trabalho, esforço, sacrifício.". No entanto, devemos acrescentar que para esse objectivo ser atingido deverá haver um esforço, um sacrifício e muito trabalho de todos os agentes educativos.

Um professor não se deve cingir ao papel de funcionário público. A docência deve ser encarada como uma filosofia de vida. Atitudes de vitimização não ajudam. Os professores não são umas pobres vitimas dos alunos ou do sistema educativo. São parte do sistema educativo, uma parte de igual importância as outras. Com direitos e deveres, relembramos aqui os artigo 63º, 64º e 65º do Estatuto da Carreira Docente Universitária.
A educação e o respeito são pilares fundamentais sobre os quais deve assentar a relação professor-aluno.
Com todo o respeito que nos merece, não podemos deixar passar em claro as últimas palavras proferidas na carta que nos foi enviada, limitando-nos a duas considerações:
§ Relativamente à utilização dos cinzeiros, o professor pode começar por ensinar alguns colegas seus, sobre a difícil arte de utilizar um cinzeiro na UBI, uma vez que o problema não se passa única e exclusivamente a nível do corpo estudantil.
§ Por último partilhar consigo uma frase que quase toda a gente sabe mas pouca gente pratica "Se queres ser respeitado respeita os que te rodeiam".

Ficamos elucidados dos factores e condicionantes necessários para ser um aluno de sucesso, embora não concordemos com alguns aspectos. Deixamos algumas reflexões nossas sobre o Insucesso Escolar, que o convidamos a ler. Contudo, mediante o conteúdo desta carta aguardamos resposta à seguinte pergunta: O que é necessário para ser um professor de sucesso?

A Direcção AAUBI

REFLEXÕES SOBRE O INSUCESSO ESCOLAR


Avaliar é a chave para o desenvolvimento de qualquer situação ou estado de facto. A asserção objectiva dos aspectos positivos e dos aspectos negativos de uma situação ou de um sistema é o único caminho para que possa haver lugar à sua evolução. Avaliar é promover mudança.
Assim, qualquer avaliação terá de ser feita através de critérios de isenção e rigor. Só dessa forma ela será levada a sério e efectivamente considerada para efeitos de planeamento, por haver confiança nos dados apresentados.

O insucesso escolar registado na UBI carece de um estudo concreto que aponte as causas desse mesmo Insucesso. É necessário reflectirmos, ajuizarmos e por último actuarmos. Os docentes como agentes educativos necessitam de fazer uma auto-avaliação e uma autocrítica conjuntamente com os alunos no sentido de averiguar quais são as verdadeiras causas do insucesso, não podendo constantemente argumentar que "Os alunos vem mal preparados!" ou "Os alunos não vão às aulas!" porque não existe um estudo concreto sobre quais são as verdadeiras causas do Insucesso à cadeira X ou Y.

Assim sendo, neste momento o insucesso escolar pode dever-se a dois tipos de factores, os factores que dependem de medidas pedagógicas internas adoptadas pela UBI e os factores que dependem de políticas da instituição e/ou políticas governamentais, isto é, do Ministério da Educação. Dentro deste último grupo podemos apontar:

Interligação Secundário-Superior
O nível de preparação nas diversas matérias encontra-se, em média, abaixo das necessidades do Ensino Superior. Além disso, há um choque pessoal na vida de cada estudante, choque esse motivado pelo desfasamento entre conteúdos programáticos e o nível de exigência encontrados num e noutro grau de ensino; pelo facto de serem métodos de leccionação e trabalho radicalmente diferentes e ainda pela quase inexistência de relações de conhecimento pessoal entre docente e discentes no ensino superior.

O acesso ao ensino superior
A motivação do novo estudante do ensino superior depende muitas vezes do facto do curso frequentado não ser o desejado. Acresce, pela inversa, o deficiente esclarecimento proporcionado aos estudantes do ensino secundário sobre os conteúdos programáticos que podem encontrar nos diferentes cursos do superior, bem como as respectivas saídas profissionais - que pode conduzir a uma situação ilusória que determine uma escolha que não vá de encontro à vocação pessoal.

Infra-estruturas e equipamentos
O número insuficiente de salas de aulas em alguns pólos da UBI, bem como o facto de existirem rácios professor/aluno desadequados em vários Departamentos provocam sobrelotação das salas e os consequentes efeitos negativos no processo de aprendizagem; também o número reduzido de salas de estudo e salas de computadores, assim como a escassez de equipamento didáctico, nomeadamente bibliografia, essencial para estes e outros espaços diminuem as hipóteses de um desempenho académico satisfatório.

Desadequação e ineficiência dos serviços administrativos à realidade
A reprografia, as secretarias, assim como todos os serviços que fornecem apoio aos estudantes têm importância vital no funcionamento da Universidade da Beira Interior. Contudo, horários desadequados às reais necessidades de todos os estudantes e condições físicas e humanas insuficientes desses serviços condicionam seriamente a vida dos estudantes.

Trabalhadores-estudantes
Os trabalhadores-estudantes têm problemas específicos para os quais não existe uma resposta efectiva por parte das instituições e da tutela. A inexistência de um regime geral e abrangente de horários nocturnos impede a este grupo diferenciado o acesso a uma frequência real no ensino superior. Acresce a isto o incumprimento do estatuto do trabalhador-estudante por parte de alguns docentes. Também aqui residem factores importantes para o abandono escolar.

Formação e avaliação pedagógica dos docentes
O estudante, sujeito activo da sua aprendizagem e por isso mesmo também responsável por procurar soluções para os diversos problemas, não deixa de estar fortemente condicionado pelo papel desempenhado pelo docente. Não sendo justo catalogar uniformemente o desempenho dos professores, é um dado inequívoco que a preparação pedagógica da generalidade dos docentes encontra-se abaixo das necessidades do sucesso educativo

Em relação aos factores referentes a medidas pedagógicas internas, ou melhor à ausência dessas medidas, podemos apontar como causas:

§ Conteúdos programáticos das cadeiras desajustados às verdadeiras necessidades do estudante bem como uma estrutura curricular inflexível e, por vezes, desadequada à formação esperada e\ou pretendida.
§ Critérios de Avaliação impostos e não discutidos, havendo por vezes dificuldades por parte do próprio docente que os impõem de explicar o porquê.
§ Critérios de frequência repletos de mecanismos de exclusão que afastam os alunos muito cedo de todo o processo de avaliação. Podemos destacar dois mecanismos bastante utilizados dentro da UBI: Os limites de presenças ou regime de faltas quando o que está previsto é, nem mais nem menos do que, uma discriminação positiva aos alunos que vão às aulas; os limites nas frequências ou mínimos de frequência que muitas vezes atingem valores de 8, levando alunos a ficarem muito cedo excluídos da avaliação.
§ Metodologias de ensino obsoletas ou desadequadas, sem utilização a novas tecnologias ou a métodos mais dinâmicos, em vigor na nossa instituição nalgumas licenciaturas
§ Fraca, ou inexistente, ponderação, dada à realização de trabalhos, relatórios e presenças nos laboratórios.
§ A capacidade pedagógica de alguns docentes pode também contribuir decisivamente para o Insucesso Escolar registado.
O atraso na procura das causas do insucesso escolar e a inércia na definição das soluções para o combater coloca em cheque todo o sistema e futuro do nosso país, tão carente que está de quadros médios e superiores bem qualificados.