Rui Pedro Dias

Where are you público? 1


(Sondagem á boca das urnas: Bom dia, a Sra. quis morrer?)


Quando votamos, não depositamos apenas pedaços de papel numa urna. Fazemos muito mais... Por cada um desses retalhos, enterramos um português maior de idade, no pleno exercício das suas incapacidades mentais.
As eleições últimas de 17 de Março, não constituíram excepção.
Uma vez mais, ficámos aprisionados nesta caixa particular e especial da ditadura das democracias representativas; e mais uma vez, ao contrário do que foi ventilado na imprensa escrita e falada, através das intermináveis análises dos canais entupidos e dos comentários subalternizados das válvulas que se abrem e fecham só quando o "sinal certo" é recebido, não houve vários vencedores e vários derrotados, nem só vencedores ou só perdedores, ou triunfalismo da "direita" vs. derrocada da "esquerda". Em termos estritamente numéricos, o que se verificou depois do escrutínio, foi a consolidação de um Grande Vencedor e a emergência de 10 milhões de derrotados. E porque a vitória tem outros significados que a simples separação taráxica e redutora entre hemisférios ideológicos - não é o rendimento mínimo que faz do PS um partido de "esquerda", nem o reforço da privatização parcial do Serviço Nacional de Saúde que faz do PSD uma força de "direita" -, o grande vencedor não foi esta última (Paulo Popular incluído), mas o Bloco Central, com os seus 197 deputados eleitos.
Em termos qualitativos, o que fundamentalmente ressalta destes resultados, é tão só o novo ímpeto trazido por uma fracção da classe dominante na manutenção do controlo e "coesão" sociais, que ameaçavam desagregar-se graças à incúria e à incompetência de outra fracção dessa classe, no exercício do Poder.
Ambas fracções concorrem portanto para firmar este narco-estado, que visa a intensificação da insensibilidade dos seus súbditos e no qual os políticos funcionam como testas de ferro.
Todo o processo que desembocou nesta "transição pacífica", é aliás, prova irrefutável deste comportamento mimético - a campanha foi paupérrima quanto a propósitos e propostas de actuação nas principais esferas de intervenção, regulação e intermediação públicas: para quando e em que moldes a reforma do estado e do sistema eleitoral, quem vai fazer o quê, quando, em quanto tempo, com que custos e com que objectivos; por outro lado, se os "programas" não forem concretizados, quem vai ser responsabilizado e que mecanismos inovadores serão accionados para lidar com incumprimentos, incompetências, malversação de fundos e corrupção, foram questões abstrusamente afloradas e à espera ainda de dinâmicas de confrontação e participação alargadas.
Como é moeda corrente que os políticos têm que andar sempre rodeados da "massa", encontramos aqui a segunda grande inferência nefasta destas eleições: não é o PC que está anquilosado (o PC está como sempre, igual a si mesmo), mas a prática de uma verdadeira cultura transversal e visceral de responsabilização, prioritariamente assumida e aperfeiçoada por cidadãos exigentes, conscientes e não (centralmente) bloqueados na melopeia redundante dos interesses corporativos e nas questões irrelevantes, evidenciadas nos primeiros planos da necrofagia mediática.
Há por isso, um sentido seráfico nas palavras de António Sérgio, quando se referia às "pedras mortas" da situação: nós, os cidadãos-eleitores, que fazemos girar este ciclo vicioso da estupidez política - temos os eleitores que temos, porque temos os políticos que temos e porque temos os políticos que temos, temos a educação, a saúde, as finanças e os eleitores que temos; e porque temos os eleitores e os políticos que temos, não se antevê proximamente que deixem de nos representar os "animais políticos" que nos governam (que de animais têm muito, mas de políticos, muito pouco), e que são no fundo os agentes que vigiam esta poderosa, profunda e irreprimível hiber-Nação colectiva.
Faltou nestas eleições o branco expletivo que aos sufrágios anteriores tem também faltado: 80 ou 90% de boletins em branco, que não confiram um único eleito sequer e que sejam a atitude digna de uma sintomatologia psíquica, sensorial e motora que revele raciocínio e interpretação das questões e respostas-chave e que seja simultaneamente a chave iniciática para acabar com os vivos-mortos, que erradamente julgam estar na urna sepulcral a manifestarem a sua vontade, o seu desejo e a consciência que deles têm.
Contudo, coligindo os factos, outra vez hipotecámos o futuro. Em cada voto "útil", em cada adulto que enterrámos, encontramos a criança que chora:

-Papá, porque é que pesa como ferro e é absolutamente incompreensível esta tua vontade de dar mais força a quem, mandato após mandato, repete os erros e agrava as asneiras?
- Cala-te ou levas uma castanha de braço direito (entumecido) que deixas logo de ver estrelas!

Consta que Niemeyer desenhou numa parede do seu atelier a frase seguinte: "Só quando a miséria se multiplicar e a esperança desaparecer, haverá revolução".
Esperemos, para bem de todos, que esta fracção governativa que agora surge, seja pior, muito pior que a anterior.



1 Leia-se "O Erário Público"

 


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