Tiago Oliveira Rodrigues

Manifesto-tipo-carta-aberta-de-reflexão-e-não-sei-mais-o-quê...

"A teoria de que o insucesso é devido à falta de preparação pedagógica dos professores (e refiro-me em particular ao Superior, onde os alunos são adultos) é uma brincadeira sem pés nem cabeça." Por outro lado, "Em reuniões de professores é muito fácil fazer aprovar moções atribuindo as culpas aos estudantes porque não estudam nada... Acho tudo isso ridículo e sem a menor credibilidade." - Graciano de Oliveira

"As instituições terão de reorganizar os cursos, atribuindo mais horas ao acompanhamento dos alunos, muito mais importante do que o número de aulas a frequentar." - Adriano Pimpão

"Cada vez são menos os alunos que vão às aulas teóricas, por estas estarem desajustadas da realidade e não passarem de meras repetições." - José Tavares

Aos Professores, "incumbe-lhes, não só transmitir conhecimentos, mas também (e preferencialmente) conduzir o respectivo processo de assimilação". Quanto aos alunos, "são eles que têm de sentir as dificuldades, bem como a necessidade de as superar."
"A descoberta não pode confundir-se com uma qualquer adivinha ocasional, pois tem de ser conseguida de forma progressiva e orientada, em termos de se sentir que é resultado de um esforço individual determinado, persistente e com sentido voluntário."
"Em todos os casos, a condição de seres actuantes na vida aconselha a recusa de escolhas gratuitas ou induzidas pelas opções dos outros." - António Almeida Costa

"Devemos ficar atentos para que a avaliação não reduza todo o processo de aprendizagem ao desempenho de cada aluno em provas ou testes escritos, geralmente individuais. A avaliação deve ser um processo amplo, no qual se investiga, de modo contínuo e permanente, tanto as acções do professor como o caminho percorrido pelo estudante na construção do próprio conhecimento." - Petronilha Trevisan Ferraz

Serve este conjunto de citações para justificar o que escrevo de seguida: toda a causa de insucesso escolar no Ensino Superior é consequência do sistema no qual estamos inseridos. A nossa ineficácia resulta de um problema cultural (e não me refiro à cultura erudita, mas sim à cultura comum). Enquanto não formos capazes de olhar para uma bola e concluir que é redonda, será um tanto inútil metermo-nos noutras aventuras. É tudo um problema de postura social e comportamento intelectual. A passividade que nos embriaga destrói qualquer ponta mais irrequieta de interrogação.

Queria aproveitar para contar-vos uma história:

"Era uma vez uma Universidade. Nela, o Pr. Francisco vestia o Hábito de Reitor. Vinham-lhe as lágrimas aos olhos, de cada vez que elogiavam aquela Universidade. Conhecia todos os Professores e Funcionários. Naquela Universidade estudavam alguns milhares de pessoas. Todos os jovens de graduação chegavam acompanhados de um processo individual elaborado pelos seus Professores do Ensino Anterior. Nesse processo constavam todas as classificações obtidas até então, todos os trabalhos desenvolvidos pelo estudante, relatórios de alguns Professores com indicações de interesse académico e, inclusive, uma carta escrita pelo próprio aluno, na qual ele se apresentava, definindo as áreas de maior interesse e explicava as razões da sua candidatura àquela Universidade e àquele curso. Quando chegavam pela primeira vez àquela Universidade, os estudantes eram recebidos com sessões de esclarecimento, encontros, reuniões, que tinham o objectivo de clarificar o funcionamento interno da Universidade, definir os direitos e deveres de cada um e fornecer as orientações básicas para a progressão curricular. Resumidamente, integrar cada estudante no contexto Universitário. A Isaura estudava Economia. Estava a realizar um estudo para a Câmara Municipal. Habitualmente saía pela cidade em busca de informação útil. Quando surgiam os problemas, a Isaura contava sempre com a disponibilidade de dois Professores Orientadores. No ano anterior, o Joaquim, que estudava Engenharia Mecânica, tinha realizado um projecto para uma empresa da região. Naquele ano já lhe tinham proposto outro que ele estava a analisar juntamente com dois Professores. Geralmente, comunicava com as empresas via telefone e internet, embora de vez em quando se deslocasse às empresas para pormenorizar algo. A Silvina frequentava o 2º ano do Curso de Matemática. No 1º ano tinha já efectuado um estágio de 15 dias no Ensino Primário. Naquele ano faria outro durante 20 dias no Ensino Secundário. No estágio ocupava o lugar da Professora residente. Esta assistia dando-lhe todas as orientações necessárias, corrigindo os seus erros e esclarecendo todas as dúvidas. A Silvina tinha, naquela semana, resolvido um problema matemático com que a Alice se havia deparado num trabalho que estava a realizar. A Alice estudava Bioquímica. A Silvina aconselhou-a a pedir ao Alberto, que estudava Informática, que lhe implementasse o algoritmo no computador, de forma a obter os resultados automaticamente. Todos os sistemas informáticos implementados na Universidade, como os administrativos, departamentais, das bibliotecas, etc, tinham sido desenvolvidos por colegas do Alberto. Aliás, quase todos os equipamentos da Universidade tinham sido desenvolvidos por alunos e Professores daquela Universidade. O Alberto tinha visitado, na semana anterior, uma outra Universidade. Estas viagens aconteciam com alguma frequência: uma ou duas vezes por mês. Tinham como objectivo levar os estudantes ao contacto com os especialistas em determinada matéria. Naquela Universidade, cada capítulo era apresentado, numa espécie de conferência de imprensa, por dois professores, um deles, Professor Catedrático. Era quase sempre às segundas-feiras, em vários anfiteatros. Várias comunicações simultâneas, sempre de níveis diferentes. Cada estudante tinha a possibilidade de escolher a que se adequava mais aos seus objectivos. Depois disso, todos sabiam que haveria um período de uma ou duas semanas para estudar os conteúdos, elaborar trabalhos propostos pelos Professores, solucionar problemas, prestar provas orais sobre fragmentos específicos dos temas, etc. Durante esse período, os estudantes frequentariam as salas de estudo, por onde passavam, a toda a hora, vários Professores para esclarecer eventuais dúvidas ou ajudar a resolver os problemas mais complexos. Consultariam ainda as várias bibliotecas existentes na Universidade, sendo que a inexistência de algum livro poderia ser resolvida em menos de três dias, recorrendo à Rede Nacional de Bibliotecas Universitárias. Consultariam também a internet nas diversas salas de computadores espalhadas por toda a Universidade. Tinham ainda à disposição excelentes laboratórios que obedeciam a regras bastante rígidas, mas que poderiam utilizar a qualquer hora. Para além disto, poderiam dirigir-se a qualquer gabinete onde encontravam, quase sempre, algum Professor disposto a ajudar. Esporadicamente, os Professores anunciavam uma ou outra aula para introduzir algum elemento novo, prestar algum esclarecimento ou anunciar alguma alteração. Cada estudante ia construindo o seu portfólio, onde registava todas as suas actividades, ao longo do ano lectivo. A avaliação era feita de uma forma pontual, em períodos curtos, sobre os trabalhos e projectos que iam sendo realizados, e de uma forma final recorrendo sobretudo aos portfólios. Extremamente importante era o papel que o estudante desempenhava na sua própria avaliação. Cada estudante gozava ainda da possibilidade de consultar sempre o seu Professor-Tutor. Era a ele que recorriam para pedir informações e conselhos, receber elogios e fazer alguma acusação. Em qualquer altura, um estudante tinha a possibilidade de mudar de curso, tendo que aceitar as normas administrativas e justificar a sua opção junto do seu Professor-Tutor. Não raras vezes, os Professores publicavam artigos ou mesmo livros na sua área de investigação. Alguns deles tinham já ganho alguns prémios pelo mundo fora. Os projectos de investigação menos complexos eram desenvolvidos em grupos onde, animadamente, dois ou três Professores coordenavam uma equipa de estudantes de vários cursos. Arrastavam-se, por vezes, durante alguns anos e eram até continuados por colegas que iam substituindo os que, entretanto, acabavam os seus cursos. Naquela Universidade, não era difícil ver um Professor sentado à mesa do bar com os estudantes. Era um local privilegiado, não só para contar anedotas, mas para partilhar experiências, conhecimentos ancestrais, histórias de vida, defender ideologias e debater posições. Por vezes, nasciam ali discussões que se prolongavam, originando até artigos e textos que resultavam do confronto de ideias ali gerado. No fundo, tudo ali era motivo para aprendizagem porque todos estavam motivados para tal. O bom relacionamento entre todos permitia uma movimentação espontânea de propostas e críticas e o empenho e apoio dos responsáveis facilitava a gestação das ideias. Ali, buscava-se o útil porque se dizia belo e admirava-se o belo porque se considerava útil."

Quanto ao final da história, espero que me ajudem a construí-lo.