Nuno Miguel Augusto

Extremos

 

Habituámo-nos ao uso frequente da expressão "extremo", não só para situar posicionamentos ideológicos entre esquerda e direita, mas igualmente para legitimar ou deslegitimar esses mesmos posicionamentos. Significa, portanto, que a noção de "extrema-direita" e "extrema esquerda" representam a exacerbação de um posicionamento extremadamente à esquerda ou extremadamente à direita. Ora, seguindo este raciocínio emergente das lógicas eleitorais, poderemos dizer que o Le Pen é mais ou menos como que um Chirac exagerado, ou que Francisco Louçã é uma espécie de Mário Soares levado às últimas consequências. Talvez por isso se entenda crescentemente as noções de esquerda e de direita como meros simplificadores do pensamento político.
Falar em extremos pressupõe a existência de um centro, daí o centro-esquerda e o centro-direita, que funcionam como a pedra que cai ao rio e vai formando pequenas ondas à sua volta. Seguindo este raciocínio reducionista, poderíamos então dizer que o discurso nacionalista da extrema-direita é uma exacerbação dos posicionamentos político-ideológicos de direita, o que nos leva a concluir que os princípios nacionalistas estão moderadamente presentes no centro-direita. Do mesmo modo, se a extrema esquerda radicaliza o discurso contra o mercado, significa que, lá no fundo e moderadamente, o centro-esquerda tem um ódiozinho de estimação pelo mercado.
O centro tem funcionado como um elemento polarizador e legitimador, definindo o "correcto" (por si representado) e o "radicalmente incorrecto" (representado pelos extremos). Paradoxalmente, acabamos por assistir a um ressurgimento dos "extremos" e a uma crise profunda instalada no interior dos partidos de centro, contrariando, quer a mensagem "oficial", quer os próprios valores democráticos (como aconteceria com Le Pen).
Num ápice, despertámos para uma realidade que de há muito já percorria os manuais da política - uma espécie de dependência entre os partidos de centro e a ambiguidade. Um dos principais problemas reside exactamente no discurso moderado que caracteriza os chamados partidos de centro, que se exprime quer do ponto de vista da prática política, quer da produção de identidades ideológicas. Na linguagem popular diz-se que "nem são carne nem são peixe" (isto é, nem direita nem esquerda) ou que "quando para lá vão fazem todos o mesmo" (reforçando o hiato entre o discurso e prática política). A indefinição e ambiguidade que tem caracterizado os partidos de centro, tem contribuído para a deslocação de votos, procurando posicionamentos claros, mesmo que radicais. Contrariamente às previsões dos apologistas do "fim das ideologias", verificamos que as sociedades estão cada vez mais exigentes do ponto de vista ideológico e que procuram referências coerentes com a sua própria visão do mundo e com os seus problemas específicos. Arrastados pela burocracia e pela necessidade de subsistência do status-quo, os partidos tradicionais (emergentes dos processos de implementação democrática) têm vindo a produzir um discurso vago, técnico, sem referências claras nem a clivagens, nem a enraizamentos ideológicos. Vive-se, no centro e não só, um misto de sobrevivência e suicídio que em nada favorece o bom funcionamento das democracias.
Fomos socializados ideologicamente sob dois tectos diferentes - a esquerda e a direita. Uns, abrigam-se num ou noutro conforme o vento mande a chuva, outros mantêm-se estáticos segurando as vigas que ainda subsistem. No meio, à chuva, estão os abstencionistas e os desinteressados. Destes, os mais revoltados com o S. Pedro acabam por procurar outros tectos, Deus sabe quais. Os filhos da minha geração aprenderam a ser de esquerda por oposição ao fascismo ou de direita por oposição ao comunismo. Raramente interiorizámos o sentimento pluralista das democracias, daí que tudo se limite a centros, defesas e pontas-de-lança, definidas num jogo de futebol, sem nunca nos ensinarem a jogar. A direita é moderadamente fascista ou exacerbadamente fascista, a esquerda é moderadamente comunista ou exacerbadamente comunista. É este o raciocínio, cuja adaptação à política moderna e à aceleração da mudança e multidimensionalidade ideológica é, no mínimo, questionável. Talvez por isso nos admiremos com o voto operário em Le Pen ou nos questionemos sobre a excessiva ortodoxia que caracteriza a esquerda proletária. É necessário entender os partidos como porta-estandartes de ideias, de quadros de referência e não de imagens de marca (e de marketing). Entendamo-los como um misto de propostas e de sintomas do pluralismo democrático. Cabe ao cidadão, também como actor político, procurar (e moldar) as propostas e estar atento aos sintomas da democracia, possivelmente sob um quadro referencial que não se resuma a uma linha plana entre esquerda e direita.