José Geraldes


Futebol, emoções e negócios

A ocupação dos indivíduos pelo futebol leva-os à libertação dos seus recalcamentos pessoais e domésticos

O futebol ocupa, cada vez mais, um lugar de destaque nas sociedades modernas. E não só a nível social, como também no mundo das emoções e dos negócios e na própria vida política.
O seu impacto sobre a vida dos cidadãos é tal que se transforma numa presença constante na opinião pública. Nos dias seguintes aos jogos, as conversas, desde o café ao escritório, vão inevitavelmente desaguar ao desporto-rei. E sempre alimentadas pela imprensa desportiva e transmissões mediáticas das televisões.
A ocupação dos indivíduos pelo futebol leva-os à libertação dos seus recalcamentos pessoais e domésticos. O sociólogo Norbert Elias vê aí "uma forma de relaxamento em relação ao controlo social." E explica que sendo o trabalho o controlo mais perfeito das emoções, o futebol funcionaria, para além da auto-disciplina que a repetição dos gestos quotidianos impõe, um equilíbrio entre o controlo das emoções e o estímulo das actividades dos tempos livres.
O conhecido escritor Mario Vargas Llosa, na mesma linha de pensamento, acentua que o futebol, ao romper os hábitos diários, gera emoções e um grande prazer. Emoções que mobilizam valores humanos e exprimem tensões na vida social.
Basta observar num café as reacções das pessoas e sobretudo os movimentos da multidão nos estádios para nos darmos conta desta realidade.
Ao mesmo tempo, cria-se uma identidade colectiva, quer a nível de preferência de equipas, quer a nível de países.
Veja-se o que está a acontecer no Campeonato do Mundo de futebol. A derrota de um país corresponde a uma humilhação nacional. O resultado de Portugal frente aos Estados Unidos quase fez entrar o País em depressão, tanto mais que o Primeiro-Ministro Durão Barroso havia pedido à Selecção Nacional para trazer a Taça dos Campeões.
As vitórias satisfazem a auto-estima. As derrotas arrastam a tristeza e a melancolia. O caso da França, campeã da Europa e do Mundo, é exemplar. Em vésperas de Legislativas, os franceses deram maior importância ao Mundial que ao acto de votar. E a França parou para ver o jogo com a Dinamarca. O que se seguiu depois da eliminatória, foi o abatimento agravado pelo tradicional "chauvinismo" gaulês. O mesmo aconteceu com a Argentina cuja continuação na prova seria um antídoto para esquecer, por uns tempos, a série de problemas sociais com que se debate.
Os resultados dos jogos funcionam assim como uma ilusão e como uma alienação. Sobretudo as vitórias para alimentar o ego nacional.
Mas o futebol não se reduz às emoções e à identidade colectiva. De actividade lúdica, quando apareceu na Inglaterra, passou nos tempos modernos a uma indústria que movimenta milhões e milhões. Os clubes abandonaram as quotas dos sócios para se transformarem em sociedades empresariais cotadas na Bolsa como as grandes empresas.
Uma transferência de clube para clube custa somas milionárias. Os jogadores valem preços de ouro e adquirem um grau de expressão mediática inatingível por qualquer mortal.
Quanto às ligações com a vida política, nem é preciso falar não só em Portugal como nos outros países. Um dirigente de futebol tem mais poder do que um deputado ou ministro.
O futebol é tudo na vida ? Felizmente não. Mas somos obrigados a conviver com ele. A sabedoria é colocá-lo onde deve ser. E evitar que em vez de sermos governados por quem elegemos, seja a ditadura do futebol a traçar os destinos de todos nós.