António Fidalgo

A demissão do Reitor e a Lei do Superior


Demitiu-se Fernando Rebelo, Reitor da Universidade de Coimbra. Independentemente de se saber se vai reconsiderar e voltar atrás ou não, o que fica é o facto de pela primeira vez um reitor de uma universidade ter apresentado a sua demissão. Sinal dos tempos de crise financeira, sem dúvida, mas também resultado de uma Lei das Universidades que não é boa. E não é boa desde logo na proporção que os estudantes têm na eleição do reitor.
João Filipe Queiró, em livro publicado em 1995, A Universidade Portuguesa. Uma Reflexão, critica o princípio da paridade de docentes e discentes na composição dos órgãos colectivos da Universidade. Sendo o reitor eleito num órgão, a Assembleia da Universidade, que tem igual número de alunos e de docentes eleitos, é óbvio que a eleição de um reitor depende em muito da vontade dos estudantes. Ora se, como afirma Queiró, "não há gestão eficaz se não houver responsabilização, imediata e a longo prazo, dos agentes pelos seus actos", então "são legítimas as interrogações sobre a possibilidade de exercer essa responsabilização, em relação a pessoas, como os estudantes, que, por definição, estão de passagem, e têm uma ligação precária às escolas, raramente ocupando este tipo de cargos por mais de um ou dois anos, por entretanto concluírem os estudos." (Lisboa, Gradiva, pg. 42)
O erro não está nos estudantes, que no caso da UBI têm até demonstrado ao longo dos anos uma ponderação e um grau de responsabilidade notáveis. O problema está em que são chamados a intervir em assuntos que não dominam, nem que é suposto dominarem. Repare-se que apesar de a percentagem dos alunos pós-graduados, em cursos de mestrado e de doutoramento, ter vindo a aumentar significativamente, estes não têm qualquer representação nos órgãos colectivos das universidades. É absurdo.
Imagine-se que se aplicava a nossa Lei 108/88 à Universidade de Harvard, que tem 6 mil alunos de graduação e 9 mil de pós-graduação. Não faria sentido, pois não? Mas também as universidades portuguesas estão a ir pelo mesmo caminho de investir na pós-graduação, o que é normal perante o decréscimo demográfico e a brutal redução nos alunos dos cursos de licenciatura. Actualmente, estes têm tantos representantes como todos os docentes, doutorados e não doutorados, nos órgãos colectivos das universidades, e os alunos de mestrado e de doutoramento não têm qualquer aí qualquer representante. Alguém duvida que há algo que não bate bem?
Por fim, e por outro lado, diga-se que o Governo trilha um caminho perigoso no financiamento das universidades. Além de não cumprir a Lei do Financiamento, e, portanto, de ser o primeiro infractor, vem dizer que nenhuma universidade deixará de funcionar por causa de dinheiro, que em caso de necessidade haverá um complemento por parte do governo. Mas isto significa, na verdade crua das palavras, deitar a autonomia universitária às urtigas, e fazer dos reitores uns pedintes junto do Ministério do Ensino Superior. À partida, pelo orçamento do Estado, vai faltar dinheiro, mas se houver necessidade, haverá dinheiro! Esta não lembrava a ninguém. É quase um convite ao despesismo e à desresponsabilização das autoridades académicas.
Haja tino. Aproveite-se este período de carência de meios para racionalizar o ensino superior em Portugal. O país agradece, agora e para o futuro.