José Geraldes

"Ano Novo, vida nova"


Vida nova significa deixar para trás a tralha do passado e conservar o que de melhor se fez. E valorizá-lo o mais possível. Do negativo aproveita-se a experiência como "mãe e mestra" para o futuro

Ao findar mais um ano e ao começar um outro, a pergunta é inevitável: avançámos para melhor ou estamos em retrocesso? Quer a nível mundial, quer a nível nacional, regional, familiar ou pessoal a pergunta surge naturalmente. E, quem a não colocar, anda neste mundo por andar. Faz figura de palhaço. Pois falta-lhe uma bússola que sirva de orientação. E o viver transforma-se numa série de mediocridades.
Os balanços tornam-se então necessários para uma análise do que aconteceu e do que se pode e deve corrigir nas decisões, atitudes e comportamentos do passado. Pôr em confronto o negativo e o positivo ajuda a ver com mais clareza o futuro.
Garcia Moreno, autor que escreveu um livro sobre o sofrimento no séc. XVIII, sentenciou que para quem aspirasse a um aperfeiçoamento moral, o exame de consciência era uma obrigação.
Os grandes mestres da espiritualidade cristã põem como condição de progresso na virtude o seu exercício diário. Nesta altura do ano, à semelhança das empresas, é útil interrogar-se sobre o estado das opções assumidas. Este é um bom exercício na preparação do ano que se inicia.
A sabedoria popular costuma resumir a questão com o provérbio "ano novo, vida nova".
Vida nova significa deixar para trás a tralha do passado e conservar o que de melhor se fez. E valorizá-lo o mais possível. Do negativo aproveita-se a experiência como "mãe e mestra" para o futuro.
Mas para que a vida nova se concretize em actos de responsabilidade, o empenho pessoal é uma condição indispensável.
Há uma história elucidativa a este respeito. Um homem pediu a Deus que lhe concedesse a saída do totoloto. Deus respondeu-lhe: "Afinal nem sequer compraste nem meteste o boletim." Se não houver uma intervenção de cada um de nós no curso dos acontecimentos, nada aparece por milagre. E aqui a preguiça é indesculpável. As omissões igualmente.
Deus respeita a nossa liberdade mas exige a colaboração necessária. E é pelos acontecimentos e apelos à acção que actua e transforma a história.
François Varillon, um jesuíta célebre dos finais do séc. XX, no livro Viver o Evangelho considera a preguiça, a inércia e rotina como o pecado capital por excelência, nos tempos modernos.
"É fazendo-me que me faço. É trabalhando a tornar o mundo mais humano que me transformo num homem plenamente livre." Esta era a sua divisa no diálogo com todos os agentes sociais.
Deus está presente - argumentava - nos lugares onde nos encontramos, na nossa história, na história do mundo e civilização. Descobrir os seus sinais e agir em conformidade, eis o desafio que, numa sociedade pluralista, os cristãos e homens de boa vontade têm pela frente no começo de um ano novo. Esta é já uma meta que nos obriga a sair do nosso comodismo e da muralha do egoísmo que se ergue à nossa volta.
Para irmos em frente, o medo não deve intimidar. A esperança de que se afigura possível mudar o rumo das coisas, mobiliza-nos para as causas que constróem as solidariedades onde a tentação da marginalização assenta arraiais.
João Paulo II, do documento No Início do Novo Milénio, convidou todo o mundo e em especial os cristãos a "fazerem-se ao largo" ou seja com "directrizes concretas de acção" no anúncio dos valores cristãos.
Depois de um 2002 em que a chaga da pedofilia horrorizou o País, a corrupção assume formas assustadoras, o relativismo da educação nas escolas desfigura a personalidade dos alunos, a permissividade sexual se instala facilmente e as aulas de religião e moral são postas em causa, impõe-se que 2003 seja a esperança de uma nova sociedade portuguesa assente nas raízes da "civilização do amor".