Por Tânia Seabra



Reconstituição de uma padaria tradicional com figuras de cera que retratam a confecção do pão

Fruto da iniciativa privada, o espaço museológico, localizado na Quinta Fonte do Marrão, em Seia, dá especial destaque ao ciclo do pão tradicional.
O Museu ocupa um edifício construído de raiz com materiais tradicionais, próprios da zona. De igual modo, os terrenos circundantes foram adquiridos no sentido de enquadrar o edifício num todo harmoniosamente equilibrado. O investimento ronda os três milhões de euros, num espaço que se antevê potenciador do turismo na região da Serra da Estrela.
Carlos Figueiredo, um dos mentores e sócio deste projecto explica que "o Museu se dedica à produção, comercialização e distribuição de produtos gastronómicos serranos em todo o País".
Há três anos, a Direcção Geral do Turismo considerou o museu local de interesse para o turismo, tanto mais que é o único, a nível nacional, vocacionado para aquela temática. Em três pisos e mais de 3.500 m2, preservam-se e exibem-se as mais antigas e artísticas tradições do pão português.
O ciclo tradicional do pão português é apresentado em catorze quadros, a que se juntam os objectos mais relevantes na recriação das etapas apresentadas.
A terra, a semente, a ceifa, a eira, a moagem e o forno são as principais fases pelas quais o pão tem que passar até chegar às nossas mesas.
É ainda de salientar a reconstituição de uma padaria tradicional, e a actividade dos três moinhos, que continuamente moem os três cereais panificáveis: milho, trigo e centeio.
Os mentores deste projecto, no dia da abertura, decidiram criar um pão especial do museu, utilizando aqueles três cereais. O segredo desse pão reside no facto de os padeiros o amassarem com chá de carqueja, em vez de água. Esta erva é característica da zona de Seia, e a sua utilização em culinária confere a qualquer prato - pão, arroz, coelho, ou caça - um paladar especial.
Mas o projecto que deu vida ao museu não é somente um mostra de objectos ligados ao pão e aos cereais panificáveis. "Foram recuperados vários objectos, destacando-se entre eles uma das primeiras enfardadeiras mecânicas nacionais", conta Carlos Figueiredo.

Pão Político, Social e Religioso

O pão faz parte da história, constituindo uma realidade global, presente na política, nas reivindicações sociais e na religião.
Na Sala do Pão político, Social e Religioso é reconstituída a evolução histórica da questão do pão em Portugal em quatro épocas distintas. O antigo Regime -1640/1834; o Liberalismo e a Regeneração - 1834/ 1910; a Primeira República - 1910/1926, e o Estado Novo - 1926/1974. Para cada época seus problemas e suas tentativas de resolução.
A reconstituição é feita através de documentos ligados ao pão e às questões agrárias. Mas também o simbolismo religioso é apresentado, num amplo painel onde se associa o Pão ao cristianismo e judaísmo. Estas duas religiões têm no pão um objecto de culto.
O pão judaico não é fermentado, já que na pressa da fuga os judeus não tiveram tempo de o deixar fermentar. Toma o nome de pão ázimo e é o verdadeiro símbolo das desventuras do povo hebreu.
A tradição do pão cristão tem o seu momento simbólico pleno na "última ceia", quando cristo oferece aos apóstolos o pão enquanto representação de seu corpo.


A maqueta do Museu é toda feita em pão




A Arte do Pão


O pão também inspira a arte. Em Seia a Sala da Arte do Pão mostra este produto, os cereais panificáveis e seus motivos (maçarocas, espigas, alfaias), a servirem de inspiração a artistas.
Em Portugal tais motivos têm servido as mais variadas formas de expressão: azulejaria, cerâmica, filatelia, metais, arte sacra, iconografia, artes decorativas, vidro, artes gráficas, fotografia. É todo um mundo de arte que se recria. Por outro lado o pão é também ele próprio eleito como objecto artístico, já que se exibem a grande maioria dos pães nacionais.
Um dos ex-libris desta sala, é a maqueta do museu, toda construída em pão. É certo que nem só de pão vive o homem, mas sem dúvida ele faz parte da vida e da arte.
Na viagem pelo mundo do pão pensou-se ainda nos mais jovens. Um dos objectivos do espaço a eles dedicado é contribuir para a dinamização pedagógico-didáctica das escolas portuguesas. O Museu reserva assim parte do seu horário pessoal para o atendimento da população estudantil.
A Sala Pedagógica - O mundo fantástico do ciclo do pão -, é um espaço diferente e diversificado. Nessa sala os adultos têm a sua entrada limitada.
Ali os mais jovens podem observar, através de um espectáculo de luz, cor, som e animação, a reconstituição do ciclo do pão português. "É uma sala diferente, dirigida aos mais pequenos, onde podem acompanhar o ciclo do pão", explica Carlos Figueiredo.
E como Museu vivo que pretende ser, um técnico mostrará ao vivo as suas técnicas e ajudará os visitantes a fazerem o próprio pão. Os mais pequenos podem observar a feitura do pão, manipular a própria farinha, fazer bonecos e levá-los para casa como recordação.


Uma pausa para o lazer

Antigamente a distribuição do pão era feita em cestos no dorso de burros, às costas dos padeiros ou em bicicletas

Quem visitar o museu tem ainda ao seu dispor um bar e biblioteca, numa sala simultaneamente de cultura e lazer.
Inserido a meio do percurso expositivo, o local propõe ao visitante um momento de pausa, desfrutando da paisagem envolvente. Aqui pode-se tomar uma bebida ou ler livros dedicados à temática do pão.
O Centro de Investigação Gastronómica e a Mercearia dão vida ao Museu e conferem-lhe originalidade, sendo um ponto de atracção.
O Centro, mais do que um simples restaurante, é um espaço onde o público tem à sua disposição gastronomia portuguesa, com especial ênfase para aquela que tem o pão como base.
Um outro edifício a ser visitado é a recriação de uma antiga e tradicional mercearia à portuguesa. Nesta poderão ser adquiridos produtos gastronómicos da região, bem como o pão fabricado no próprio museu. A juntar a tudo isto, a paisagística da Serra da Estrela, na qual o visitante é envolvido durante toda a visita, é também determinante.

Cultura ao vivo

O Museu Nacional do Pão pretende colocar ao alcance de todos uma forma de cultura diferente. Carlos Figueiredo diz que o museu tem como fim instituir-se como "um factor de desenvolvimento sustentado da região", e dentro da sua temática própria e específica, vir a tornar-se num factor de desenvolvimento.
O museu assume-se como nacional, já que pretende abarcar um património comum a todo o País, e não apenas uma realidade local. Os mentores do projecto tentaram "conjugar a tradição e a modernidade, para renovar a consciência colectiva".
Numa era marcada pela forte globalização, projectos deste tipo potenciam o reforço da identidade e da especificidade de cada cultura.




Mascote, comboio e rotas turísticas



O museu também tem uma mascote: o boneco de um cão da Serra da Estrela em tamanho gigante. O objectivo é fazer animação de rua e possibilitar às crianças tirarem fotografias para mais tarde recordar.
Mas as ideias não param. Uma delas é o comboio que transporta as pessoas de Seia até ao Museu. A sua utilização prende-se com o facto de os autocarros não poderem circular no acesso àquele espaço.
Outro dos projectos é a criação de rotas turísticas. Procura-se que as pessoas, mesmo que não visitem o resto da Serra da Estrela, possam conhecê-la melhor através de um passeio turístico. Ficam assim a ter a noção da agricultura característica da região, passando por uma queijaria, um moinho e uma padaria ancestral.