Luíz Oliveira tem a visão de um Portugal com um "centro de gravidade junto à costa"
Professores estrangeiros na UBI
A volta ao mundo em quatro histórias

Russos, polacos, brasileiros e angolanos são alguns dos povos representados no universo dos professores estrangeiros da Universidade da Beira Interior. As suas opiniões sobre Portugal são tão diversas como as proveniências. Uns consideram os "portugueses expansivos e desorganizados como os brasileiros", outros classificam-nos como "frios e distantes, de acordo com o clima".


Por Mari Duarte e Mário Ramos


Vindos de quatro pontos distantes do mundo, Luíz Miranda, Domingos Nzau, Koumana Bousson e Andrej Litewka apresentam histórias que se cruzam com a Covilhã e a experiência de viver num País distante do seu.
Luíz Oliveira leccionava uma disciplina no mestrado de Estruturas na Universidade de Coimbra quando ouviu falar pela primeira vez na Covilhã. Foi com um sorriso que admitiu não saber, nessa altura, se a cidade ficava em Portugal ou em Espanha. Achou o nome bastante atípico para cidades portuguesas. Natural de Santos, no litoral do Brasil, é hoje director do curso de Engenharia Civil na UBI.
Portugal é o país que escolheu para viver. Afirma com orgulho que todas as mudanças que queria fazer na sua vida estão feitas. Licenciado pela Universidade de S. Paulo, em 1987 fez o doutoramento em Liège, na Bélgica. Aí, conheceu um colega que lhe falou da Universidade de Coimbra. Luíz fez a sua primeira visita ao país como turista e acabou por conhecer essa universidade. Mais tarde foi convidado a colaborar num projecto entre Portugal e o Brasil: um mestrado em Estruturas, na cidade de Coimbra, em que vinha dar aulas anualmente durante quatro anos. Foi nessa actividade que conheceu o coordenador do projecto que era também professor colaborador na UBI.
Ao contrário do que se podia imaginar, foram razões familiares que convenceram o "garoto de beira de praia", como ele próprio se intitula, a mudar-se para a cidade serrana. A sua mulher, licenciada em Medicina, não se adaptou ao Brasil: "ela é francesa e teve problemas com o reconhecimento do seu diploma". Acrescenta que "ninguém conclui um curso de Medicina para depois se ocupar de hobbies". Tiveram ambos que pensar numa solução fora do Brasil. Foi aí que Luíz Oliveira se lembrou da Covilhã. Em 1998, no ano da realização da Expo, aproveitaram a oportunidade para conhecer a cidade e decidiram ficar.
Nestes quatro anos em Portugal conheceram poucos covilhanenses. Confessa que o seu grupo de amigos está muito limitado aos colegas de trabalho. "As nossas amizades são feitas quando andamos na escola" e é principalmente delas e da praia brasileira que sente falta.
A montanha exerce uma forte atracção sobre este brasileiro, mas sente que as pessoas da Covilhã vivem de costas voltadas para a Serra da Estrela. Considera que a montanha tem particularidades e belezas únicas, típicas desta zona, e reconhece que ainda "há muito por explorar".
Luíz Oliveira frisa que apesar de ser uma universidade recente, a UBI, não está distante da sabedoria e experiência das mais antigas. E a maior dificuldade da UBI, a sua situação geográfica, é uma questão psicológica. Para quem vem de um país imenso, a noção de espaço é diferente. Luíz tem a visão de um Portugal com um "centro de gravidade junto à costa", onde tudo "é concentrado no mar". É também no litoral que existe uma maior concentração de alunos, mas sublinha que Portugal tende a homogeneizar-se.
Questionado acerca dos seus projectos para o futuro, o docente diz que a sua aposta passa pelo departamento. Dá o exemplo do Centro de Engenharia Civil, uma unidade de investigação com o objectivo de resolver problemas regionais. Ao desenvolver esta unidade, acredita estar a criar uma base para um novo modelo de ensino mais prático para os alunos.

"Os portugueses são mais fechados"

Domingos Nzau defende o diálogo entre professores e alunos

Vindo também do hemisfério sul, mas do lado de cá do Atlântico, Domingos Nzau chegou à Covilhã para realizar o mestrado. Quando o Departamento de Letras convidou este angolano para ser docente na UBI, Domingos Nzau não hesitou e aceitou o convite.
Professor em Angola durante dez anos, confessa que se sentiu nervoso nos primeiros dias: "Foi a minha primeira experiência a trabalhar com alunos universitários mas foram dificuldades que facilmente superei". Confessa-se um defensor do diálogo entre professores e estudantes: "Há professores que tentam estabelecer uma distância mas eu faço o oposto. O que pretendo é estimular os alunos a aproximarem-se de mim. Somente através desse processo é que podemos trabalhar com entusiasmo".
Portugal é um país que lhe desperta grande curiosidade. E foram os professores portugueses que teve em Angola que o estimularam para sair de Lisboa e partir à descoberta do resto do País. O Minho, principalmente as cidades de Guimarães e Braga, é uma região que gostava de conhecer profundamente. Mas a riqueza da história portuguesa não o impede de reconhecer alguns constrangimentos na sociedade. O distanciamento com que as pessoas se abordam é um factor que considera típico de Portugal. Através de um exemplo demonstra esta ideia: "por diversas vezes viajei cinco horas de comboio ao lado de um português sem estabelecer um diálogo". Uma situação "de acordo com a cultura portuguesa, mais rígida e fria", defende.
Para este angolano, a Covilhã é uma cidade académica e que apenas tem "vida" quando há estudantes. É uma cidade do interior e que sofre as consequências próprias dessa característica. Mas, sublinha as óptimas condições proporcionadas pela universidade, que está "muito bem conservada e com agradáveis condições de trabalho".





O prazer das cidades pequenas

Foi no laboratório de Engenharia Aeronáutica que o largo sorriso de Koumana Bousson nos recebeu. É lá que este engenheiro aeronáutico passa a maior parte do seu tempo, rodeado de simuladores de voo e de outros equipamentos.
Natural da Costa do Marfim, este professor guarda poucas recordações de África. Aos cinco anos de idade foi para Toulose, em França, para iniciar os seus estudos e nessa cidade fez todo o percurso estudantil até se formar na área de Engenharia Aeronáutica e também em Controlo de Voo.
Há sete anos em solo luso, Bousson não pensa voltar a França: "foi um golpe de sorte a oportunidade de vir para cá". A sua vinda para Portugal está relacionada com as amizades portuguesas que construiu em França. Em 1994, os amigos forneceram-lhe a informação sobre o novo curso de Engenharia Aeronáutica na UBI. O facto de escolher este País teve a ver com a profissão mas também com os portugueses, com a sua cultura, a sua língua e a sua história. Bousson teve a sua integração facilitada quando abraçou a nossa cultura: "é fácil falar com as pessoas, são mais abertas talvez pelo facto de terem descoberto muitos povos", refere.
Embora ambos os países pertençam à União Europeia, Bousson encontra grandes diferenças entre Portugal e França: "Um estrangeiro que chegue a França encontra um povo mais sisudo".
O facto da Covilhã ser uma cidade do interior, com pouca população e por isso calma, "onde não acontece nada de mal", também contribuiu para a decisão de se fixar em Portugal. Não gostou de Paris, onde esteve a tirar o mestrado e não fica mais do que um
fim-de-semana em Lisboa. A sua natureza está talhada para cidades pequenas.
O facto de gostar da língua portuguesa facilitou a sua aprendizagem e relação com os alunos. Embora o Departamento de Engenharia Aeronáutica seja pequeno, considera-o dinâmico e com um bom ambiente de trabalho.
Preserva o hábito de ao fim-de-semana ir à Serra da Estrela explorar a natureza com os amigos. As praias algarvias e as terras da Beira Alta são as regiões que já pôde visitar, apesar de não conhecer muito bem o País.

Um ano que se transformou numa década

O polaco Andrej Litewka viajou por vários países mas acabou por ficar em Portugal

Andrej Litewka veio para ficar apenas um ano na Covilhã. Acabou por ficar mais dez e confessa-se satisfeito com a opção.
Após terminar o seu percurso académico na Universidade de Poznan, na Polónia, Andrej viajou por diversos países como Inglaterra, Suécia, EUA ou Cuba, locais onde permaneceu apenas alguns meses. Na Covilhã desde 1991, este professor polaco salienta o progresso da UBI: "penso que esta universidade está totalmente diferente e mais desenvolvida depois da abertura da Faculdade de Medicina". Considera ainda que o início da licenciatura em Arquitectura, prevista para este ano, é mais um factor importante para a consolidação da UBI: "é uma licenciatura interdisciplinar, com muitas disciplinas ligadas às ciências sociais e humanas".
A UBI surgiu no seu percurso académico através de um convite efectuado pelo antigo reitor da Universidade, Passos Morgado. Numa viagem que efectuou à Polónia, o antigo reitor propôs a Andrej o desafio de leccionar na licenciatura de Engenharia Civil. Aceitou o convite é embora mantenha a intenção de regressar à Polónia, não sabe quando o fará pois o prazer que lhe dá viver em Portugal impede-o de definir uma data específica.
Andrej Litewka considera que um dos maiores problemas da licenciatura em Engenharia Civil é a pouca dedicação dos alunos. Numa ocasião em que o insucesso escolar é um factor importante de análise na universidade, Andrej afirma que os alunos têm que assumir uma maior responsabilidade. Justifica que "o local de trabalho nas universidades são as salas de aula e não as discotecas".
Através de uma analogia com os seus anos iniciais na UBI, concluiu que agora "os alunos estavam melhor preparados em disciplinas importantes como a Matemática e a Física", a base da licenciatura em Engenharia Civil.
Quanto ao nível cultural, Andrej Litewka defende que não existem muitas diferenças entre Portugal e os restantes países da Europa. Mas destaca a importância do clima: "os portugueses não sabem o privilégio que têm. Na Polónia o Inverno é muito mais rigoroso. Chegam a atingir-se temperaturas de 40 graus negativos". A língua foi o seu principal problema de integração. Embora tenha definido que as suas aulas seriam dadas em inglês, Andrej considerou "importante estudar o Português para ter um contacto mais próximo com a sociedade local". Uma decisão sua, porque "os professores ensinam, mas também estudam".
Quatro culturas, quatro opiniões acerca de Portugal e dos portugueses. Em comum têm uma coisa: a prazer de viver na Covilhã e de leccionar na UBI.


"Assegurar o nível de ensino"



A UBI tem actualmente 43 professores estrangeiros. Medicina é a licenciatura com mais docentes nesta situação. "Os professores estrangeiros são importantes para que a UBI se afirme no contexto das universidades portuguesas". É uma forma de "assegurar o nível de ensino", confessa Carlos Melo, director dos Serviços Académicos.
Apesar do número ter diminuído nos últimos anos, a experiência transmitida pelos professores estrangeiros é sempre um factor benéfico. Actualmente quase 40 por cento dos doutorandos são auxiliados por professores provenientes de outros países. Acrescenta que a disponibilidade de professores estrangeiros para investigar é superior à dos docentes portugueses com a mesma experiência. Carlos Melo apresentou o exemplo de um professor russo, docente no Departamento de Aeronáutica, com uma experiência "enorme" no trabalho com satélites, que se disponibilizou a trabalhar na UBI. Uma disponibilidade que alguns professores portugueses "teriam relutância em aceitar", considera.