"A Covilhã é hoje uma cidade muito marcada pela Universidade"
Entrevista com Carlos Pinto
"Se tivesse que decidir hoje, não me recandidatava"

O presidente da Câmara Municipal da Covilhã, Carlos Pinto, diz que o exercício da função é desgastante, porém discorda da limitação de mandatos políticos. Carlos Pinto desvaloriza ainda a polémica com o Cine Clube da Beira Interior, porque "num universo de 300 associações qualquer desacordo com uma ou duas é insignificante".


Por Inês Monteiro e Jorge Duarte Estevão


Urbi @Orbi- A UBI foi o motor de arranque para o desenvolvimento da cidade. Acha que as relações entre a universidade e a autarquia são suficientemente fortes?
Carlos Pinto-
Muito fortes. Estamos a viver um excelente momento de relacionamento.

U@O - Um dirigente associativo dizia há dias que ainda há alguma separação entre a universidade e a cidade. Concorda com essa afirmação?
CP-
A Covilhã é hoje uma cidade muito marcada pela universidade, pelos seus alunos e professores. O que eu constato é a existência de um bom clima de entrosamento social entre as duas partes. Apenas oiço dizer bem do acolhimento que os covilhanenses dão aos alunos universitários e da saudade com que estes ficam quando partem.

U@O- E porque não se fixam profissionalmente na região depois de concluírem as licenciaturas?
CP -
Esse é um dos nossos grandes objectivos. Ver aqueles que aqui se formam permanecer por cá. Porém, as universidades são do País e não das regiões. É justamente por isso que muitos dos médicos que se formaram em Lisboa, Porto ou Coimbra, se fixaram por lá, quando deveriam estar espalhados por todo o País. Nesse caso até é bom que abandonem essas regiões. No nosso caso, dada a diferença de desenvolvimento entre o litoral e interior, é bom que as universidades mais recentes, como a UBI possam ter a capacidade de radicar os licenciados. Mas isso é quase um objectivo de política nacional, só o voluntarismo não chega. O meu desejo é que dentro de poucos anos a maioria dos licenciados fique por cá para ajudar ao desenvolvimento regional.

U@O - Pensa que o curso de Medicina vai ajudar a inverter esta situação?
CP-
Eu creio que sim. Primeiro porque se abre um novo campo com a existência da faculdade e do hospital universitário. Em segundo lugar, porque a aposta do Governo é também no sentido de aumentar os cuidados de saúde no interior.

U@O - O que significa para si o dia 30 de Abril (Dia da UBI)?
CP -
Significa muito. Este ano, como sempre, vou participar nas comemorações desse dia. Eu sou um aliado, um admirador e um defensor da UBI. Acredito que a universidade ainda pode crescer muito mais e tem um futuro extraordinário à sua frente.

UO- Faz sentido dizer que a universidade vai crescer quando a tendência é para a diminuição de cursos e de alunos?
CP-
Acho que é irreversível. O nosso País precisa de ser cada vez mais de gente sabedora, com grande formação. Aliás esse foi o caminho que seguiram os países que se desenvolveram e desse ponto de vista as universidades estão na primeira linha. Não pode haver política nacional que não coloque as universidades no centro das suas preocupações, mesmo no cenário actual de muitas dificuldades.

U@O- Relativamente à abertura da Casa do Professor, qual o objectivo que pretende atingir?
CP-
Pretendo que seja um espaço de encontro entre uma classe de profissionais que é extremamente importante para a região e para o País. A Covilhã é hoje uma verdadeira cidade de ensino e saberes, julgo que é adequado criar essa estrutura.

U@O- Que graus de ensino vão ser abrangidos?
CP-
A comissão já está constituída por professores de todos os escalões, incluindo o universitário. Estamos à procura de um espaço para servir de sede à Casa do Professor e de certeza que vai ser uma grande iniciativa criada na Covilhã.

U@O- Afirmou que um dos factos que mais se orgulha foi o lançamento do cartão do idoso. Sendo a Covilhã uma cidade universitária, não acha que seria importante a criação de um cartão do mesmo género para os jovens, incluindo os que não são naturais da cidade?
CP-
Achava muito interessante se nós tivéssemos dinheiro para isso, mas não temos. Mesmo para mantermos os benefícios para os idosos temos que fazer um esforço muito grande.

"Num universo de 300 associações qualquer desacordo com uma ou duas é insignificante"

"A Câmara está aberta ao diálogo"

U@O- Qual o principal motivo que originou a polémica entre o Cine Clube da Beira Interior e a autarquia?
CP-
A polémica é a seiva da democracia.

U@O - E isso é…
CP-
É o princípio de diferença de opiniões, da diferença de interesses que existe, e quando as associações têm uma conduta que não é propriamente a mais adequada para que tudo institucionalmente funcione bem…mas penso que estamos com resultados positivos para o objectivo que é obter mais cultura na Covilhã e desse ponto de vista tudo está desenrolar-se normalmente. Aliás, num universo de 300 associações qualquer desacordo com uma ou duas é insignificante. O mundo ideal seria que não houvesse qualquer problema. Contudo deve colocar-se uma questão: porque é que 299 estão bem e dizem bem da Câmara e apenas uma é conflituosa? O problema é de explicar junto dessas associações e não é a câmara que vai dar justificações.

U@O- E o que correu mal com essa associação?
CP-
Eles é que podem responder. Não tenho comentários a fazer…

U@O- Mas há associações que se queixam de discriminação…
CP-
A atribuição de fundos é feita em função do interesse que a Câmara atribui a cada uma delas e às suas actividades. Isto não é um "razor" em que se dá o mesmo a todas.

U@O- Com a eleição da nova direcção, as relações entre as duas partes vão voltar à normalidade?
CP-
Não conheço a nova direcção, mas estimo que tudo se passe no futuro de forma diferente dos últimos tempos com a anterior direcção. A Câmara está aberta ao diálogo e para nós todas as associações são bem recebidas.

U@O- O percurso ou política cultural têm sido correctos?
CP-
São excelentes. É só olhar à volta e tirar conclusões…em alguma cidade da zona se faz o mesmo tipo de promoção cultural, desenvolvimento cultural e acções como na Covilhã? Não há problemas na vida cultural do concelho. Essa vida é magnífica, assim todos os municípios pudessem dizer ter essa animação.

U@O - Como está o processo do Centro de Artes? Disse que só avançaria com a obra se tivesse a garantia de financiamento de 90 por cento por parte do Estado, já existe essa garantia?
CP-
Ainda não.

U@O- E continua a manter a mesma ideia?
CP-
É fundamental, porque os municípios vivem com carências financeiras e portanto temos que assegurar o financiamento de praticamente todas as obras, sob risco de ficarmos endividados.

U@O- Falou-se que havia uma proposta que estaria já aprovada para o Centro de Artes, mas agora surgiu também uma do arquitecto Tomás Taveira? Isso corresponde à verdade?
CP-
Isso é tudo mistificação…quando abrimos o concurso apareceram duas propostas que ainda estão neste momento em estudo. Nenhuma ainda foi adjudicada.



"Espero que neste mandato possamos mandar recuperar centenas de prédios"

U@O- Existem prédios em ruínas um pouco por toda a cidade. Como e quando vai a Câmara resolver esta situação?
CP-
Vamos anunciar em breve uma iniciativa muito forte no domínio empresarial, que eu penso que vai ser um contributo para aumentarmos o ritmo de recuperação patrimonial do nosso concelho. Até agora estávamos muito dependentes da acção particular, dos proprietários das casas, algumas delas muito degradadas. Espero que neste mandato possamos mandar recuperar centenas de prédios, em vez de dezenas.

U@O- Os Conselhos Municipais de Segurança são uma imposição da lei, mas na sua opinião, mesmo que assim não fosse justificava-se a criação deste organismo?
CP -
Justifica. Pode trazer alguns benefícios, como colocar as pessoas a falar sobre questões relacionadas com a segurança, a área social. Vamos ver o que decorre depois dos trabalhos deste conselho.

U@O- A água da rede pública tem qualidade?
CP-
Muito boa, é aquela que eu bebo todos os dias. Na minha casa não se consome água mineral, só água da torneira.

U@O- Após as exigências do Governo para apresentação de cenários alternativos, no âmbito do programa Polis, quais são os projectos que a autarquia resolveu abdicar?
CP-
Neste momento não vale a pena falar nesse plano já que estamos a fazer a gestão de todos os projectos, com excepção de um outro que ficará adiado para outra altura. No fundo vamos fazer todos os projectos que estão previstos no Polis. Simplesmente há alguns que não são prioritários neste momento, mas vão ser abrangidos pelo actual quadro comunitário de apoio.

U@O- O coordenador do programa Polis, João Esgalhado, afirmou que os prazos dos projectos de urbanização iriam ser cumpridos integralmente. Face às limitações orçamentais e o impedimento de recurso à banca, acredita que cumprimento dos prazos vai mesmo acontecer?
CP-
O Polis tem três anos para ser concluído, ou seja, em 2005 e é o horizonte que nós temos. Mesmo com as dificuldades as obras vão avançar.

U@O- O Complexo Desportivo da Covilhã foi pensado para servir de apoio ao Euro-2004. Já existe algo de concreto ou contactos feitos para ter uma equipa a estagiar na cidade?
CP-
Não, porque ainda não sabemos quais são as equipas. A Câmara vai promover a Covilhã como centro oficial de treinos do Europeu de Futebol. Quando soubermos quais são as equipas que vão participar no torneio é que vamos para o terreno procurar uma equipa para se alojar na cidade.

U@O- No entanto houve alguma aproximação à Federação Portuguesa de Futebol (FPF) nesse sentido?
CP-
Sim, porque é a FPF enquanto participante da sociedade Euro que esteve com os seus técnicos a ajudar à selecção do próprio centro de treinos. Temos trabalhado activamente com a Federação.

U@O - A construção das novas acessibilidades, nomeadamente a A-23 e a modernização da linha ferroviária são suficientes para diminuir o fosso de desenvolvimento existente entre o interior e o litoral?
CP -
Só as estradas não resolvem esse problema, mas são um elemento muito poderoso para dar melhores condições de desenvolvimento.


"Nesta Câmara há muita descentralização"

"Este ano está a ser particularmente complicado"


U@O- Que condições faltam para que a Covilhã se imponha como a grande cidade do interior?
CP-
Já é neste momento a grande cidade. Por razões de localização de equipamentos e infra-estruturas, produto interno bruto do ponto de vista concelhio, diversificação económica, potencial de grandes projectos. Vamos ter praticamente o único grande aeroporto do interior do País, o aldeamento turístico das Penhas da Saúde e a UBI como a base económica da cidade.

U@O- Fala-se que existem várias empresas interessadas em investir na Covilhã e instalarem-se no Parkurbis. Há ou não empresas interessadas?
CP-
Quanto à montagem e estruturação da própria empresa no Parque de Ciência e Tecnologia acabámos agora de fazer a contratação do director executivo. Esperamos até ao mês de Julho fazer a adjudicação do primeiro núcleo de lanifícios na zona do Tortosendo e a partir daí estarão criadas as condições básicas para que se comece a desenvolver a procura de investidores. Ao mesmo tempo pretendemos estabelecer parcerias e protocolos com universidades e centros de investigação e desenvolvimento. O Parkurbis só entrará em velocidade cruzeiro dentro de quatro ou cinco anos.

U@O- Mas já há empresas neste momento?
CP-
Há contactos gerais, no âmbito da localização de investimento que nós procuramos para a Covilhã.

U@O- Falou do aeroporto, a situação é como em Beja onde se fala muito e o projecto avança pouco?
CP-
Não. No nosso País estamos habituados a ser precipitados julgando que basta falar para as coisas aparecerem logo feitas. Em qualquer país desenvolvido é preciso planear bem, procurar os parceiros para montar as operações e depois a obra é uma coisa que se faz rapidamente.

U@O- E em que fase está o Aeroporto da Covilhã?
CP-
Neste momento fizemos o projecto, estamos à procura dos financiadores, porque a câmara não tem dinheiro para executar estas obras que custam muitos milhões de contos. Seguramente a obra aparecerá.

U@O- Existe uma grande polémica em torno das Comunidades Urbanas. Qual é a diferença entre estas e a regionalização?
CP-
Enquanto a regionalização supunha a existência de um quadro de autonomia política e administrativa, no caso das Comunidades Urbanas nós estamos apenas no domínio administrativo. Tendo sido rejeitada a regionalização nos moldes em que foi proposta pelo Governo anterior, a ideia das Comunidades Urbanas tem valor, porque permite reformar o quadro político-administrativo, que está obsoleto. Assim poderão ser alcançadas algumas metas que a regionalização também pretendia, isto é, o reforço da capacidade aglutinadora dos municípios e de uma região que tem virtualidades para esse efeito. Em simultâneo vai permitir uma negociação com o poder central através da transferência de recursos do Orçamento de Estado.

U@O- A Comunidade Urbana pode servir como alavanca para o ambicionado projecto dos túneis da serra?
CP-
Sim, entre outros. Uma Comunidade Urbana como eu imagino será uma instituição capaz de negociar com o Governo e com a União Europeia projectos de grande dimensão. Capacidade negocial que um ou dois municípios não têm. É evidente que estas estruturas são o que as pessoas que as dirigem fazem delas.

U@O- Concorda com a limitação de mandatos políticos?
CP-
Não.

Significa que se vai recandidatar?
CP-
Não, não significa nada…

U@O- Mas vai recandidatar-se em 2005?
CP-
É uma questão precoce, ainda é muito cedo para decidir.

U@O- E se tivesse que tomar uma decisão neste momento?
CP-
Não me candidatava. Se me dessem uma hora para decidir dizia que não.

U@O- Porquê?
CP-
Porque é muito extenuante esta função. Este ano está a ser particularmente complicado, mas também o acumular de anos nesta função leva-nos à exaustão, porque é um trabalho que me ocupa quase 24 horas por dia.

U@O- A exaustão poderá ser explicada pela centralização de todos os processos somente na figura do presidente?
CP-
Nesta Câmara há muita descentralização. Costumo dizer aos vereadores que na autarquia há seis presidentes, porque eles têm capacidades de acção e de decisão. Só me trazem aquilo que não é possível resolver sem a minha opinião.