Paulo Serra

A política da cultura


O invisível é o que não se pode ver.
Esta afirmação, aparentemente circular, traduz bem o dilema que se coloca, em democracia, aos políticos em geral e aos autarcas em particular: ou fazem obra que até pode ser importante mas que, por não se ver, não traz dividendos políticos (votos, prestígio, influência, etc.); ou, pelo contrário, fazem obra que até pode não ser importante mas que, por se ver - pelo facto de, como diz o povo, "encher o olho" - traz dividendos políticos. Como o mostra a nossa experiência, minha e do leitor, é raro o político que, entre estas duas opções, não opte pela segunda.
E o que é uma obra que se pode ver? Das duas uma: ou é uma obra material, uma obra propriamente dita - uma ponte, uma estrada, um pavilhão desportivo - ou uma obra imaterial, uma "obra de cultura" - um concerto, uma peça teatral, um ciclo de cinema. Em ambos os casos, e salvo as devidas excepções, não compete ao políticos fazer as obras, mas promover a sua feitura - pelos construtores civis, no primeiro caso, pelos chamados "agentes culturais" (incluindo aqui pessoas e instituições), no segundo.
Isto faz com que haja, entre os que promovem as obras e os que as fazem, uma relação de interesse mútuo. Para que esta relação seja transparente, parece ser necessário que haja, entre quem promove e quem faz, o estabelecimento de contratos escritos e públicos, que estipulem os deveres e os direitos respectivos de cada uma das partes.
Quando isso não acontece - como é, aparentemente, muitas vezes o caso na relação entre entidades políticas e "agentes culturais" -, quando, em vez dos contratos escritos e públicos, parece haver combinações tácitas, mais ou menos arbitrárias e feitas nos segredos dos gabinetes, surgem as cenas a que vamos assistindo um pouco por aqui e por ali: acusações mútuas entre promotores e "agentes culturais", recusas de apoios que outros dizem ter sido prometidos, transferências de "agentes culturais" de um concelho para o concelho vizinho, insultos e vinganças pessoais, revelações do tipo "zangam-se as comadres" e assim sucessivamente.
Paradoxalmente, no meio disto tudo talvez até seja a cultura quem menos perde. De facto, é duvidoso que muito daquilo que fazem os nossos "agentes culturais e é promovido pelos nossos políticos tenha, de facto, a ver com cultura - entendida aqui como aquilo que resiste à usura do tempo, como aquilo que os homens de uma geração conseguem fazer passar para as gerações seguintes. De facto, muitas das "obras culturais" que por aí grassam não vão além daquilo a que chamávamos, acima, o "encher o olho", do espectáculo a que se assiste para se esquecer logo a seguir, entre dois finos e um pires de tremoços. As verbas gastas na promoção de tais "obras de cultura" (?!) poderão, assim, ou ser poupadas ou ser gastas em obras de cultura menos visíveis mas mais compensadoras, a longo prazo.
Querer o contrário disto - querer apoiar todos os "agentes culturais" porque sim, só porque são (se dizem) "agentes culturais", sem procurar saber qual é essa "cultura" a que eles se dedicam - é meter tudo dentro do mesmos saco e abster-se de fazer escolhas. É, numa palavra só: demagogia.