"O novo álbum é mais coerente e mais homogéneo em termos de sonoridade"
Passado e presente com Hugo Correia
"Os Fadomorse já conseguiram encontrar o seu estilo"

Provenientes de Trás-os-Montes, os Fadomorse possuem capacidades para se tornarem num dos grupos importantes da música portuguesa. Para Junho está prevista a edição de um segundo álbum, que sucede a Gritar o Fado. O grupo actuou na Semana Académica e o Urbi @ Orbi aproveitou a oportunidade para ter uma conversa com Hugo Correia, principal impulsionador dos Fadomorse.


Por Mari Duarte e Mário Ramos


Urbi @ Orbi - Desde Abril, quando conquistaram o Festival de Música Moderna na Covilhã, que transformações sofreu a vossa vida?
Hugo Correia -
Aconteceram algumas coisas importantes. Entraram cinco músicos no grupo, realizámos alguns espectáculos e gravámos em Aveiro o nosso segundo álbum ao vivo. Vai sair, em princípio, nos finais de Junho.

U @ O - Editar um disco ao vivo foi uma opção voluntária?
H. C. -
Sim, é uma opção sobretudo estética. Torna o trabalho mais homogéneo e a comunicação que há entre o grupo e o público é fantástica, constituem momentos únicos que, em estúdio, são impossíveis de recriar. Aquilo é "one take", fica gravado para sempre.

U @ O - Quem vos influenciou nesse aspecto?
H. C. -
Essencialmente Frank Zappa. Ele sempre teve esse ideal de gravar "live". Guio-me muito pela atitude do Zappa, passava seis meses no estúdio a trabalhar vários aspectos e depois fazia uma digressão para construir um novo álbum.

U @ O - "Two Hundred Motels", álbum de Frank Zappa, foi muito importante para si?
H. C. -
Sim, nos anos 80 quando o ouvi foi uma enorme influência. Esse álbum, realizado simultaneamente com os Mother´s of Invention, é a banda sonora para um dos seus primeiros filmes. É um disco simplesmente genial.

U @ O - Ainda considera Zappa o seu "Deus"?
H. C. -
O Zappa foi uma influência para tudo isto começar, foi um Deus e continua a ser. Mas neste momento estou a investir mais na música clássica, que é a minha área e a dedicar-me também ao próprio Jazz. Os Fadomorse já conseguiram encontrar o seu estilo.


"Este é um álbum mais homogéneo"

Os Fadomorse não se consideram um grupo rock

U @ O - Quais as principais diferenças entre este novo disco e o anterior?
H. C. -
Neste álbum há um grupo homogéneo enquanto que o outro tinha muitos músicos convidados. Este é um álbum mais coerente, mais homogéneo em termos de sonoridade. Em Gritar o Fado investi muito na produção mas este é mais directo às pessoas.

U @ O - Qual será o seu nome?
H. C. -
Vai chamar-se Entrudo e está relacionado com o Carnaval de Macedo de Cavaleiros, em que nós atribuímos uma conotação irónica. Relaciona-se com o Carnaval e o estado do nosso país.

U @ O - Vocês consideram-se um grupo rock?
H. C. -
Considero que não. Hoje fomos um grupo com afinidades ao rock porque o nosso guitarrista não veio e tive que assumir esse papel. Acho que o nosso som ficou um pouco despido sem a guitarra portuguesa.

U @ O- A guitarra portuguesa é mais uma tentativa de explorar as tradições portuguesas?
H. C. -
Sim, juntamente com a braguesa e outros instrumentos que não pude explorar porque o Deus Coura (n.r. guitarrista) pertence também aos Zen e tivemos o azar de coincidir duas datas.

U @ O- Nos Zen?
H. C. -
Ele foi substituir o Jorge Coelho. Têm agora um novo vocalista e, na minha opinião, aquilo está muito agradável, melhor do que no passado.

U @ O- E Carlos Paredes também é uma influência importante?
H. C. -
Não considero. Para o mundo da música é uma grande influência mas para mim não porque não tento sequer imitar. O Carlos Paredes era genial. O que pretendo da guitarra portuguesa é apenas o timbre, simplesmente a cor que ela atribui e não a técnica.

U @ O- Juntamente com estes instrumentos, vocês utilizam também muitos samplers de ranchos folclóricos e bandas filarmónicas.
H. C. -
Sim, porque não temos a oportunidade de trazer esses grupos. Tenho o sonho de realizar um grande concerto no Pavilhão Atlântico com ranchos folclóricos, tunas académicas, bandas filarmónicas, zés pereiras, Pauliteiros de Miranda (risos), tudo o que possas imaginar. Tenho esse sonho, gostava de trabalhar simultaneamente com todas estas pessoas.

U @ O- Em contraste com o concerto do festival, notou-se a falta de alguns instrumentos, nomeadamente, o clarinete.
H. C. -
Sentimos a falta do clarinete mas tivemos uma flauta transversal e um saxofone que não sei se foi ouvido no pavilhão. Aqui não foi possível ouvir Fadomorse, nós estamos com um espectáculo muito bom, mas quando não temos um bom som é impossível realizar um óptimo concerto. Mas, mesmo assim, acho que o público gostou.




"A música observada como uma arte e uma forma de intervenção"

U @ O - O que significa a vossa expressão: "evoluir na lusomusicologia"?
H. C. -
Lusomusicologia é um modo de dizer música portuguesa ou lusófono. Mas a evolução não está relacionada com aquilo que estás a ouvir agora (n.r. Porquinhos da Ilda). Sempre fizeram a mesma coisa e não trazem nada de novo. Tem a ver com a atitude perante a música, observada como uma arte e uma forma de intervenção como o Zeca Afonso, o Sérgio Godinho ou Janita Salomé fizeram. Isso perdeu-se e a música adquiriu uma função manifestamente comercial. Felizmente, a seguir aos Porquinhos da Ilda, vem um exemplo de um grande trabalho (n.r. Blasted Mechanism). Na minha opinião têm o concerto mais profissional neste momento em Portugal.

U @ O - Vocês desejam uma pequena revolução cultural no nosso país?
H. C. -
As pessoas parece que deixaram de pensar, passaram a ter uma vida de "elevador na horizontal". O objectivo é ter um curso, uma casa, um automóvel e um emprego estável, principalmente proporcionado pelo Estado. Não têm objectivos arrojados, ambição ou sonhos, limitam-se a conquistar aquilo que observam no vizinho. Depois agrava-se porque as pessoas têm uma enorme falta de cultura.

U @ O - Mas existem aspectos em que tem melhorado?
H. C. -
Sim, é um óptimo sinal um grupo como os Blasted já estarem em quase todas as "queimas", é positivo um grupo como os Fadomorse estarem em cinco "queimas". É um sinal de que alguma coisa está a modificar, de que aparecem pessoas dispostas a ouvir coisas diferentes. Provavelmente há três anos era impossível entrar onde quer que fosse.

U @ O - Quem é Hugo Correia quando não está nos Fadomorse?
H. C. -
Uma pessoa feliz. Sou músico de orquestra, trabalho todas as semanas a fazer aquilo que gosto. Tenho imensos projectos. Neste momento estou a preparar a inauguração da minha Academia Superior de Música, em Aveiro, e tenho mais quatro projectos para editar álbuns ainda este ano. Sou uma pessoa que tenta desfrutar o máximo, compor e criar e deixar muitos sinais neste país.

U @ O- Qual é o seu instrumento na Orquestra?
H. C. -
Contrabaixo.

U @ O - A Covilhã já é uma cidade importante no vosso percurso?
H. C. -
Todas as cidades são importantes e a Covilhã tem sido muita boa para nós. A minha mulher é desta zona, de Folgosinho, na Serra da Estrela. Encontro sempre aqui carinho e uma boa empatia de parte a parte.