António Fidalgo

A película civilizacional

A civilização é uma película. Isso ficou mais uma vez bem patente nas agressões de que o deputado Francisco Assis foi alvo em Felgueiras na noite do passado dia 16. Que leva um bando de pessoas a agredir um deputado que mais não fazia do que exprimir a sua posição sem ofender ninguém? Podemos chamar arruaceiros, energúmenos aos agressores, e a designação é justificada pela baixa acção que fizeram, mas o aspecto que deu é que no dia a dia os agressores serão gente normal, que vão à sua vida, e que ninguém ousaria qualificar dessa maneira. O mais certo é que lhes saltou a tampa, lhes estalou o verniz, e que ali, estimulados pelo sentimento de populaça, veio ao de cima a agressividade latente do bicho homem.
A civilização é também um processo de domínio dos instintos que habitam o homem no seu âmago, processo que foi sendo aperfeiçoado ao longo de gerações e gerações, mas que a qualquer momento pode ser interrompido e revertido. Civilização significa antes de mais que opiniões diferentes, como era ali o caso, não se resolvem com violência, mas com palavras e argumentos, e que, não havendo acordo, a solução é a de deixar prevalecer a vontade da maioria, com respeito pela opinião vencida da minoria.
Pode ser que alguns dos agressores se envergonhem hoje dos seus actos daquela sexta-feira de má fama para a vila de Felgueiras, pode ser que alguns ainda se sintam ufanos com a sua violência numa atitude de pesporrência, mas o que se passou foi a recaída na barbárie, a galvanização colectiva na arruaça, que uma sociedade não pode permitir. Assim, para os que se envergonham e para os que não se envergonham a sociedade deve ter a mesma resposta, a de os chamar a contas perante a justiça. Cada um dos agressores deve responder, individualmente, pelos actos cometidos no alvoroço da turba. A civilização é também individuação, e quando alguém se confunde na violência colectiva, é tarefa de uma sociedade civilizada individualizá-lo na responsabilização e no castigo.
É porque a civilização é uma fina película que é necessário, de imediato, reforçá-la com o peso da lei para que não se rompa mais.