Tiago Neves Sequeira*

Cursos de Doutoramento II:
A Proposta da Lei de Bases da Educação



Em Fevereiro passado, escrevi neste Jornal sobre cursos de doutoramento, defendendo fundamentadamente a criação na Universidade da Beira Interior de Cursos de Doutoramento com uma componente lectiva importante, nas áreas de ponta da instituição [ver http://www.urbi.pt/030204].

Merece regozijo o que consta na recente Proposta de Lei de Bases da Educação no que diz respeito a cursos de doutoramento, disponível em [http://www.portugal.gov.pt/Conselho+de+Ministros.htm]
Diz a lei no seu artigo 22º da Subsecção III (ponto 3.): "Os cursos conducentes ao grau de doutor integram uma parte escolar com a duração máxima de quatro semestres". Carece no entanto de estabelecimento uma duração mínima da referida componente lectiva, sendo que a sua existência parece (salvo errada interpretação) obrigatória.

Assim sendo, é a adopção em Portugal da tradição anglo-americana, já vulgarizada nas melhores escolas da Europa, garantindo aos futuros doutores a aquisição de conhecimentos profundos na ciência para a qual virão a contribuir com "um trabalho original de investigação" (ponto 5 do mesmo artigo) . Não basta portanto fazer um mestrado e uma tese de doutoramento para obter o grau. A Lei ainda vigente permite a um licenciado com média superior a 16 valores candidatar-se à elaboração de uma tese de doutoramento mesmo sem mestrado. Muitas vezes, para colmatar lacunas, frequentam-se disciplinas de credenciadas instituições internacionais, não sendo sequer submetidos a avaliação. Estes são apenas exemplos de situações que devem ser mudadas nos doutoramentos em Portugal. Esta proposta de lei é um passo no sentido da credibilização e da justiça. É a credibilização do grau de doutor em Portugal porque o torna mais exigente e uniforme, separando claramente os graus de mestre e de doutor. É uma questão de justiça porque a existência da parte lectiva garante um nível mais equitativo de exigência entre os doutoramentos feitos em Portugal, porquanto algumas instituições já implementaram para este tipo de cursos no nosso país.

Outro dos aspectos positivos é a exigência de requisitos para as instituições universitárias conferirem o grau de doutor, a saber: "a existência de unidades de investigação acreditadas e (…) a publicação em revistas científicas de prestígio".

A implementação destes cursos facilita também a inversão drástica da tendência de inbreeding (ou endogenia) na Universidade Portuguesa, que sendo urgente, vem também explicita no espírito dos princípios orientadores dos estatutos da carreira docente universitária, já apresentados no inicio de 2003 pelo Ministério da tutela.

No entanto, poder-se-ia ter ido ainda mais longe. O primeiro dos pontos seria a fixação explicita do mínimo de tempo (ou de horas e disciplinas) para a parte lectiva do curso de doutoramento, já referido. O segundo, a fixação de critérios de aprovação para a fase da dissertação (por exemplo, trabalhos de investigação e/ou exames gerais), sem os quais o candidato poderia obter o "diploma de especialização avançada" ou, com uma tese de mestrado, o grau de mestre. Por fim, deverá ser ponderada a qualificação do que são revistas de prestígio. Poderão ser pontos a reflectir em sede de regulamentação.

No artigo que escrevi em Fevereiro apresentava razões que julgo pertinentes para que a nossa instituição possa avançar para cursos de doutoramento com uma componente lectiva, que vêm agora ser confirmadas na proposta de Lei de Bases da Educação que segue a tendência dos países mais desenvolvidos. Continuo a pensar que quanto antes forem pensados e estruturados estes cursos, por quem de direito, mais a instituição tem a ganhar, naquilo que em Economia costumamos chamar de vantagem do primeiro jogador (first mover advantage) , garantindo uma posição no mercado que, pelas características dos referidos cursos, não pode ser apenas regional ou nacional. Esta vantagem é significativa na divulgação e promoção dos cursos e não será obtida se deixarmos que outras instituições avancem primeiro nas mesmas áreas. A vantagem apontada acima em relação à inversão da endogenia poderia ser largamente aproveitada por alguns departamentos da nossa instituição. Alias, a UBI conhece bem, por exemplos do passado recente, as vantagens de ser pioneira e arrojada nos seus objectivos. É este o caminho de uma instituição vencedora!

Relembro apenas, em jeito de parêntesis, a importância para uma Universidade de ter cursos de doutoramento reconhecidos internacionalmente pela sua qualidade e prestígio. É verdadeiramente o cunho distintivo das universidades, segundo a nova lei, porquanto é o único grau académico exclusivo destas instituições. Parece portanto redundante dizer que, de entre todos os graus académicos, os cursos de doutoramento devem, neste preciso momento, ser prioritário!

Teremos forçosamente, mais cedo ou mais tarde, que concorrer com outras instituições nacionais e estrangeiras nas áreas em que temos condições para fornecer este tipo de cursos ( e não serão poucas!). Quanto mais cedo, melhor!



*Docente no DGE-UBI, Doutorando na FE-UNL