José Geraldes

Mudança


Houve e continua a haver subsídios que só enriquecem pessoas e são mal utilizados

É já um lugar-comum dizer que o País precisa de uma mudança de mentalidades. E que só pode progredir se esta mudança se realizar.
Alguns torcem o nariz a esta possibilidade, pois duvidam que Portugal, dados os hábitos de facilitismo que adquiriu e a perda de exigência em que se afundou, seja capaz de arrepiar caminho.
O cientista Manuel Paiva, agora cidadão belga, colaborador da NASA e da Agência Espacial Europeia, confessa numa entrevista à revista Grande Reportagem : "Uma das raríssimas coisas que me ficou do ensino do liceu foi Os Lusíadas. E já nessa altura Camões tinha compreendido o que era o velho do Restelo. Nada impediu um país com um milhão de habitantes de ter ido ao mundo inteiro. O que me interessa compreender é como um país que teve génios foi, depois, por água abaixo."
Escritores, pensadores e o próprio Eduardo Lourenço se debruçaram também sobre este tema. Tema cujo desenvolvimento dava pano para mangas. Mas nunca é demais dar o alerta para que os portugueses despertem de uma letargia enervante. E retomem o caminho da modernidade embora os últimos dados da União Europeia não sejam dos mais gratificantes.
Como é que podemos competir com a Europa quando 60 por cento da população tem no máximo o ensino básico, quer a nível de trabalhadores, quer a nível de empresários, a maior taxa de absentismo, a maior taxa de abandono escolar, no caso 45 por cento, e a terceira menor taxa de participação em acções de formação ?
A Ministra das Finanças disse, na semana passada, que os fundos de Bruxelas criaram maus hábitos nos portugueses. Manuela Ferreira Leite não deixa de ter uma ponta de razão. Muito dinheiro da União Europeia fez, inquestionavelmente, progredir o País. Mas houve e continua a haver subsídios que só enriquecem pessoas e são mal utilizados. Mais grave ainda é o facto de os empresários, em vez de criarem riqueza, dependerem completamente dos subsídios. Além disso, a filosofia destes subsídios aparece pervertida. Aprovado um projecto, muitos empresários aplicam os dinheiros ao contrário dos objectivos dos fundos. São correntes os casos em que, quando o dinheiro chega, se compra um carro de alta cilindrada em primeiro lugar e o resto é que se aplica no projecto. Claro que, pouco tempo depois, não há projecto nem há dinheiro.
Mas surgem mudanças no horizonte. Nota-se que se toma uma noa consciência das realidades. No futebol tão criticado, a Académica de Coimbra dá um exemplo. Porque não se pode viver acima das possibilidades, o clube vai reduzir a massa salarial. Diz o presidente João Moreno ao Público : "Vamos reduzir substancialmente os vencimentos, de forma que os nossos compromissos possam ter segurança de serem mais facilmente cumpridos." E, na mesma linha, a SAD do Leiria que optou por uma cura de emagrecimento, diminuindo o orçamento de 5 para 3 milhões de euros. E Sporting e Boavista estão a fazer o mesmo.
O caso-modelo de uma nova mentalidade laboral é o da Autoeuropa. Para evitar o despedimento de 330 trabalhadores, as negociações concluíram por um acordo com 16 dias úteis de paragem e a renúncia a ao aumento dos salários. Em contrapartida, os trabalhadores terão direito a dez dias não trabalháveis quando na fábrica se verificar diminuição da produção. É a aplicação do chamado "banco de horas" dos sindicatos alemães.
A Autoeuropa que, há dois anos, era a primeira no absentismo, hoje, está, em primeiro lugar, na assiduidade dos seus trabalhdores.
Estes são três exemplos que podem dar novas esperanças de uma nova cultura de exigência. Para que Portugal não vá por água abaixo.