José Geraldes

À espera da nova época

Agora vamos ter o Livro Branco. Depois, discussões e comentários. Até que chega a nova "época dos fogos". (...) E o filme da tragédia vai repetir-se.

A vaga de incêndios que, durante o Verão, prestes a findar, assolou Portugal, exige uma política de prevenção devidamente sustentada. Aqui o escrevemos no deflagrar dos primeiros incêndios na última semana de Julho.
A tragédia de cinzas, morte e dor que, depois, se abateu sobre o Interior, só confirmou que, mais uma vez, estávamos dentro da razão.
Muito se escreveu sobre o assunto. As televisões lançaram-se em séries de directos com imagens de matas a arder e cenas de pavor dos que ficaram sem nada.
Fizeram-se críticas à descoordenação dos bombeiros. Observou-se que os pinhais não eram limpos nem havia caminhos para garantir acessos rápidos às suas viaturas.
A questão dos aviões contratados foi posta em causa. O Governo passou pela crítica de ter acordado tarde para os fogos. Não faltou a invocação já habitual de falta de meios. O ministro da Administração Interna anunciou um Livro Branco sobre o assunto. A União Europeia envia um emissário a Portugal para ver "in loco" os prejuízos que fica deveras impressionado com a devastação das nossas florestas. Para obviar aos estragos, é atribuída ao País uma verba para minorar os efeitos da catástrofe.
A chamada -só por ironia cínica- época dos fogos termina sem que se tenha tido verdadeiramente a consciência de que a culpa de toda esta tragédia não é de agora.
Gonçalo Ribeiro Teles em entrevista à revista Visão põe o dedo na ferida : "A grande causa é o mau ordenamento do território, ou seja, a florestação extensiva com pinheiros e eucaliptos, de madeira par as celuloses e construção civil. "E o arquitecto explica: "As dificuldades por que passava a agricultura ( nos anos 30 ) deram origem a que se quisesse transformar grandes áreas do País- já são 36 por cento - em florestas industriais. "
As consequências deste facto levaram a uma opção agrícola que está fora dos parâmetros do "mosaico mediterrânico.
O resultado foi a desertificação de muitas zonas do Interior. E, durante muito tempo, das florestas não se cuidou nem se pensaram planos adequados e prevenção face a eventuais incêndios.
Só nos finais dos anos 80, surge um conjunto de medidas de protecção da floresta e da prevenção de fogos. Medidas que apodreceram no papel.
Há sete anos a Assembleia da República, por unanimidade, aprovou uma lei de bases da floresta que, até hoje não foi regulamentada. Daí o nunca ter sido posta em prática.
Afinal, todos exigimos medidas. Elas estão na Lei.
O Governo parece querer dar um passo com o funcionamento do fundo Financeiro Florestal em que todos os contribuintes pagariam as funções da floresta que não têm aproveitamento comercial: purificação do ar, correcção dos sistemas hídricos, proteccão dos solos, manutenção da paisagem e a garantia da biodiversidade.
Mas há outro ponto a ter em conta: a atenção do Interior com o lançamento de políticas que fixem as populações. E uma discriminação positiva para que as empresas não procurem exclusivamente o Litoral. Sem retóricas.
E, claro, com o aumento de verbas para a prevenção. O corte de 25 por cento feito este ano impediu que houvesse mais vigilância nas florestas.
O excessivo calor não explica a tragédia. Pode tê-la aumentado com as trovoadas secas. Mas prendem-se incendiários. Os fogos não páram.
Quando se chega aos verdadeiros mandantes destes incendiários?
Aqui reside a grande parte do problema.
Agora vamos ter o Livro Branco. Depois, discussões e comentários. Até que chega a nova "época dos fogos". Sem novas medidas na prática nem prevenção ajustada. E o filme da tragédia vai repetir-se.
Deus queira que nos enganemos.