Anabela Gradim

Os ricos e os pobres


O fosso que separa o Interior do Litoral, a Cova da Beira de Lisboa e Porto, tem aumentado nas duas últimas décadas, apesar dos fundos estruturais recebidos da UE, ou por causa disso, em parte, diz um estudo da Universidade do Minho divulgado pelo Público, devido à incapacidade da região fixar a mão de obra qualificada que a sua universidade forma, e a população mais jovem.
Neste processo de empobrecimento e não convergência com as regiões mais ricas é difícil destrinçar o que é causa e o que é efeito. O despovoamento, e o desaparecimento dos activos, tem a ver com o tecido económico e a estrutura produtiva - os jovens e os mais qualificados não ficam porque não têm emprego - mas certamente também com investimentos que podiam ter sido feitos e não foram, nomeadamente ao nível das acessibilidades. É certo que quando a agricultura deixou de necessitar de mão-de-obra intensiva, e de possuir o peso que detinha no conjunto das actividades, outros investimentos, outras produções teriam de ser criadas para evitar o previsível êxodo rural e desenvolver harmoniosamente as regiões. Mas à excepção da descentralização do ensino superior, pouco mais parece ter sido feito.
Ora ninguém ganha com a macrocefalia e litoralização de um País tão pequeno como o nosso, nem nós, no interior, nem os outros.
Nas grandes cidades o rendimento dos seus habitantes pode ser mais elevado. Mas até disso tenho sérias dúvidas - o que acho é que está muitíssimo mal distribuído. Por exemplo, 15 por cento da população residente na cidade do Porto mora em casas de bairros municipais*; e não deve ser menor o número dos que não sendo inquilinos do município, se encontram alojados em condições desumanas e degradantes e possuam, como aspiração de vida, "uma casinha da câmara".
E dizia que pode até o rendimento dos seus habitantes ser mais elevado, mas a concentração de tanta gente em espaços tão pequenos coloca problemas nada fáceis de resolver: subúrbios feíssimos, semeados de prédios de má qualidade e muito caros aos quais o empreiteiro não se dignou terminar os arranjos exteriores, acessibilidades, transportes, trânsito, tempos de viagem casa-emprego absolutamente surreais. Em suma degrada, e muito, a qualidade de vida das pessoas. E o que mais me surpreende, no meio de tudo isso, é a infinita adaptabilidade da espécie: as pessoas habituam-se a tudo, mesmo à mais desenfreada e sem sentido rat race.
É evidente que também há vantagens, ao nível de certos serviços e bens, que só uma cidade grande pode gerar e oferecer. Mas, e não se pode ter tudo?
Se a população portuguesa estivesse disseminada por cidades médias - e bastariam as capitais de distrito terem conhecido um surto de desenvolvimento diferente do da trilogia rotunda-semáforo-fonte-luminosa - a pressão sobre Porto e Lisboa seria menor, a qualidade de vida nesses locais teria muito a ganhar, e individualmente, os habitantes dessas cidades levariam vidas melhores e mais felizes, onde teriam menos stress e mais tempo para dedicarem a si e às suas famílias.
Em Portugal - ao contrário de Espanha, que possui boas cidades médias - isso não aconteceu, e não vai ser fácil arrepiar caminho. E se uma parte das responsabilidades cabe aos sucessivos governos que concentraram investimentos na zona do Vale do Tejo, ao ponto de essa zona ter convergido com a Europa, e o resto do País não, hoje uma boa dose dela também terá de ser assumida pelos agentes locais do interior. É que não se pode desenvolver à força o que não quer ser mexido

* Cf. Estudo Socieconómico da Habitação Social do Porto, por José António Ferreira, Manuel Pimenta e Leonor Vasconcelos Ferreira, da Faculdade de Economia da UP. "Apesar da constituição dum imenso parque habitacional municipal, composto por 12.551 fogos, dispersos por 39 bairros, alguns destes com dois ou mais núcleos construídos em diferentes momentos, onde residem mais de 40 mil pessoas (15% da população da cidade), muitos cidadãos do Porto continuam actualmente a não ter uma habitação em conformidade com os padrões de conforto e salubridade exigíveis numa cidade e numa sociedade que se quer moderna e desenvolvida".