Anabela Gradim

Prioridades


Quando Jorge Sampaio veio dizer que o País deveria ter outras prioridades que não apenas o Processo Casa Pia – mas também Saúde, Economia, Educação, Emprego – estava a enunciar uma grande verdade de que infelizmente poucos se dão conta. De facto, começa a ser intolerável ter meia hora de manchete e noticiário televisivo cada vez que há uma minudência processual, e pelo andar da carruagem este processo, que tem muitos arguidos e se vai arrastar durante anos, terá milhares e milhares de diligências.
Não sei a quem aproveita este quadro, mas sei muito bem a quem, objectivamente, prejudica esta neurose casapiana. Por exemplo, sabem os estudantes o que se resolveu no novo regime de concursos para a docência que já vai funcionar em Fevereiro deste ano? Pela falta de reacção, duvido muito. Trata-se de uma coisa chamada «prioridades» que os penaliza pelo único e simples facto de serem estudantes.
Não quero aqui tomar partido na questão, pois tem vantagens e desvantagens (embora para os estudantes, só a última...) e anima a lei uma racionalidade com objectivos muito concretos. Apenas desejo expor o caso, e chamar a atenção para o facto de que as associações de estudantes, se não andassem ocupadas a colocar cadeados por razões marginais, como o aumento das propinas, tinham aqui um bom motivo para organizarem protestos e greves em favor dos estudantes – não tão poucos quanto isso – que pertencem às vias de ensino.
Em termos muito simples, o Decreto-Lei 35/2003, recuperando em termos mais radicais uma proposta dos tempos do engenheiro Guterres, prevê o seguinte: todo o candidato à docência que nos dois anos imediatamente anteriores ao concurso não tenha dado aulas em estabelecimento de ensino público, fica automaticamente atrás (concorre numa prioridade diferente) de qualquer candidato que o tenha feito. *
Isto aplica-se, evidentemente, aos estudantes e a todos os que não tenham ainda conseguido entrar no sistema de ensino. E significa que mesmo um aluno brilhante, que se licencie agora com 18, só conseguirá dar aulas, grosso modo, quando todos os que alguma vez as deram, estiverem colocados, mesmo que concorram com média de 10 ou 11. É claro que a lei tem aspectos positivos, mas não do ponto de vista dos estudantes, especialmente dos bons alunos. Para estes são só desvantagens.
E digo que tem aspectos positivos porque tenderá a fixar quem já está no sistema; e, também, que quem conseguir entrar, já sabe que é uma questão de tempo até conseguir também fixar-se – porque se coloca um garrote à entrada de novos candidatos. Isto fará com que muitos, que perdem 5, 6, 10 anos das suas vidas a tentar leccionar, e depois acabam por desistir porque nunca alcançarão estabilidade – depois de terem perdido muitíssimo tempo – comecem logo a pensar em mudar de vida. E fará também com que se paguem muito menos subsídios de desemprego aos professores que ora conseguem, ora não, obter colocação.
Mas não há mais nenhum aspecto positivo. Não houve debate sobre este ponto da lei. Os estudantes não foram ouvidos, nem se fizeram ouvir. É claro que agora é tarde, Inês é morta e o diploma já está em vigor. Mas é um bom pretexto, e um bom motivo, para que todos, como indivíduos, colectividades e mesmo Nação avaliem as suas prioridades, e se será desejável ocuparem-se monoliticamente do acessório, enquanto outros por eles tratam do essencial.


*Transcrevo, da própria lei, os aspectos do artigo que interessam ao caso: « DIPLOMA/ACTO : Decreto-Lei n.º 35/2003 . SUMÁRIO : Regula o concurso para selecção e recrutamento do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário
Artigo 13.º
Prioridades na ordenação dos candidatos
2 - Os candidatos ao concurso externo são ordenados na sequência da última prioridade referente ao concurso interno nas seguintes prioridades:
a)1.ª prioridade: indivíduos qualificados profissionalmente para o nível, grau de ensino e grupo de docência a que se candidatam, que tenham prestado num dos dois anos lectivos imediatamente anteriores ao concurso funções em estabelecimentos de educação ou de ensino públicos;
b) 2.ª prioridade: indivíduos qualificados profissionalmente para o nível, grau de ensino e grupo de docência a que se candidatam.