COLORÍN, COLORADO




Asunción, Paraguay









Por Catarina Moura

O avião aproxima-se e salta logo à vista o contraste daquela vegetação tão intensamente verde com aquela terra tão estranhamente vermelha, toda ela fertilidade. O aeroporto é pequeno e há pessoas mesmo ali, na pista de aterragem. Olham-nos com voracidade. Cedo nos apercebemos que estas pessoas “vivem”, “alimentam-se” dos turistas. Estão ali para lhes carregar as malas, nas quais pegam sem ninguém lhes pedir, e oferecer toda a espécie de serviços, desde táxis que não são táxis a telemóveis que, na verdade, são os seus telefones pessoais, como viríamos a descobrir com o que alugámos e ao qual não paravam de chegar chamadas e mensagens para um tal de “Manuel” que imaginámos ser o duvidoso filho da mulher que nos alugou o aparelho!
Mergulhamos na cidade e sentimos que voltámos atrás no tempo. As fachadas e as roupas estão gastas e lembram dias que não vivemos. A crise está nas ruas, em todos os rostos sujos onde, estranhamente, brilham sorrisos. Há muitas crianças a viver nessas ruas, nessas mesmas ruas onde parecem só circular potentes jipes negros de vidros fumados. Vendem fruta roubada, cebolas, um pouco de tudo o que conseguem apanhar, oferecendo um contraste violento com as mansões cinematográficas que ladeiam as avenidas por onde vamos passando e que já havíamos avistado do avião. Adivinhamos uma sociedade feita de mais abismos do que os já anunciados em leituras prévias.
O nosso hotel está no centro. Pela janela do quarto avistamos uma cidade de marcadas reminiscências coloniais que ansiamos por ver de perto. Os vários edifícios que restam do período colonial atestam a importância que Asunción teve no passado para a administração espanhola, mas o mau estado em que quase todos se encontram é revelador do quão longínquos estão esses tempos de prosperidade. O fim de uma ditadura de 35 anos, que manteve o país totalmente fechado ao exterior e, consequentemente, ao turismo, trouxe na última década o reatar com Espanha, que tem investido na recuperação de alguns destes edifícios. É o caso da Casa Viola, recuperada pelo governo espanhol para comemorar os 500 anos da descoberta da América. A Casa de la Cultura e o Palacio de los López (sede do Governo) são outros dois magníficos exemplares que vale a pena visitar. Reconfirmamos o interesse histórico de Asunción ao conhecer a Plaza de los Héroes e o Panteón Nacional de los Héroes; a Casa de la Independencia, onde imaginamos as reuniões secretas dos revolucionários planeando o golpe de 1811, que traria a independência ao Paraguay; a Plaza de la Independencia, onde encontramos o Palácio Legislativo e a Catedral Metropolitana; o Museu de Bellas Artes, que nos apresenta a obra de diversos artistas paraguaios e sul-americanos; enfim, são tantas as descobertas que sentimos um certo privilégio por ter chegado a conhecer Asunción antes de ser invadida pelo turismo.
Almoçamos todos os dias num restaurante fabuloso onde o requinte da saborosa e farta refeição nos custa pouco mais de 5 euros. A instabilidade do país reflecte-se na profunda desvalorização da sua moeda e beneficia-nos de uma forma quase constrangedora.
Saindo dali, vamos “palmear” um pouco – ou seja, vamos passear pela Palma, uma das principais artérias da capital. O calor é quase sufocante. Os azuceños, normalmente sorridentes e acessíveis, parecem mais apáticos sob o sol do meio-dia. Estão distribuídos pelas praças, sentados nos degraus das portas, sob todas as sombras encontradas. Sentimo-nos observados e decidimos mudar de direcção. Ali perto, na rua Colón, encontramos La Recova, famosa pelas lojas de artesanato, onde descobrimos um outro Paraguay, esse que um dia foi dos índios Guaranis, cuja cultura, reprimida durante anos, tem ainda tanto a dizer deste povo. Prova disso é que, apesar de a língua oficial ser o espanhol, é o Guarani que escutamos por todo o lado.
Queremos conhecer mais deste país mas temos pouco tempo. Queremos aventurar-nos nesse território indómito a que chamam El Chaco, uma zona árida e selvagem que ocupa cerca de 60 por cento do território e que promete ser uma experiência inesquecível para ecologistas e amantes da natureza, apesar do difícil que as altas temperaturas e escassas chuvas tornam a vida de quem ali (sobre)vive. Imagino-me aí, em pleno deserto, onde a terra já não será vermelha e o verde, a existir, já não será denso e luxuriante como o dos restantes 40 por cento do país… imagino quão grandioso parecerá aí esse céu tão cheio de outras estrelas que observo a partir da janela do hotel, já com saudades do que não pude conhecer. No dia seguinte partimos cedo para a Bolívia. Sei que vai ser impossível continuar igual depois de tudo isto.