Por Eduardo Alves



Gomes Canotilho foi uma das individualidades ouvidas, recentemente, pelo Presidente da República

Urbi et Orbi - Como um dos mais destacados constitucionalistas, de que forma tem assistido ao desenrolar do processo “Casa Pia”?

Gomes Canotilho - Tenho assistido mais como cidadão. Este processo obrigou-nos a reflectir sobre questões fundamentais, como, por exemplo, as escutas telefónicas, a prisão preventiva e nesse aspecto julgo que as decisões do Tribunal Constitucional têm sido exemplares e contribuíram para uma actualização da compreensão, quer da Constituição, quer do código penal. Independentemente, da tragédia que constituiu o processo “Casa Pia”, no plano jurídico, alguma coisa se adiantou.
No plano cívico, vejo que este caso contribuiu para um grande mal-estar no seio da sociedade portuguesa com uma certa falta de auto-confiança. Foi um momento de pessimismo nacional.

Urbi et Orbi - Quanto ao recente caso da “Crise Política”?

Gomes Canotilho - Fui uma das pessoas ouvidas pelo Presidente da República, e as conversas com ele não se podem revelar. Creio, contudo, que há uma nota a salientar. O que Jorge Sampaio fez é legítimo. O Presidente da República é quem nomeia o primeiro-ministro, mediante os resultados eleitorais e é quem pode dissolver a Assembleia, mediante um acto autónomo e pessoal e é ele, e só ele, quem pondera o bem e mal de uma dissolução, mediante isso, tomou a decisão que lhe pareceu mais acertada.

Urbi et Orbi - Então, quais são os efeitos legislativos que se podem ser retirados desta decisão?

Gomes Canotilho - A partida do primeiro-ministro para o Parlamento Europeu pode ser ponderada como exemplo para acontecimentos futuros. O que deve acontecer caso um governante seja chamado para ocupar um lugar de destaque a nível internacional e quais as respostas ao nível constitucional? Há que ponderar como é que se vai fazer a substituição em casos de renúncia. Este caso vai-nos fazer reflectir sobre isso, ao nível da revisão constitucional.

Urbi et Orbi - O Estado, e todos quantos o representam, tem cumprido bem a sua missão?

Gomes Canotilho - Ainda é hoje, o herói local. Quem nos ensina matemática, é o Estado local, quem defende o cidadão é o Estado da proximidade, quem assegura o desenvolvimento do País, nas suas múltiplas vertentes, ainda é o Estado.
Se acrescentarmos a ideia de que este é supervisor, no sentido em que tem uma visão de futuro, então verificamos que o nosso crescimento está pendente desta estrutura. A qual tem o poder e o dever de garantir a igualdade social, cultural e económica, dos seus cidadãos, através de leis.
Porém o Estado não tem feito o que pode fazer, relativamente, às políticas de investimento estrangeiro. O que tem consequências, quer no plano económico, quer social. Daí que a minha ideia seja de crítica quanto a uma concentração de investimento público, em determinadas áreas do País, que já são mais desenvolvidas, e não haver medidas adequadas de desenvolvimento regional, quer do próprio Estado, quer da função deste em captar outros investimentos para estas regiões.

Urbi et Orbi - Leis que nem sempre funcionam da melhor forma, como é o caso da lei de financiamento do Ensino Superior. Como vê isso?

Gomes Canotilho - Sou defensor do pagamento de propinas. Penso também que os estudantes encurtam o sentido da sua luta quando focalizam apenas o assunto das propinas e têm formas de reacção como as invasões de Senados.
Subjacente a isto tudo, por detrás desta luta, muitas vezes mal conduzida, há uma luta justa dos estudantes. O combate para que o Ensino Superior público não possa ser descapitalizado, transformado num sistema sem crédito, desprovido de excelência, porque isso é o pior que pode acontecer a uma Universidade. Daí que, quando os estudantes lutam contra as propinas, a favor da valorização do Ensino Superior público, a favor do aumento de investimentos neste mesmo ensino, penso que a luta se torna justa.

Urbi et Orbi - Quanto ao aproveitamento retirado do Ensino Superior e dos licenciados, como vê esse campo?

Gomes Canotilho - Quando nós falamos de Bolonha, da empregabilidade e da mobilidade no Ensino Superior, fazemo-lo a um nível europeu. Logo, há que salientar que essa mobilidade não passa só pelos estudantes e professores.
O problema e a solução deste passa pela articulação entre as Universidades e a Europa da ciência, da inovação e do conhecimento. É neste mesmo aspecto que eu fico algo pessimista. Até porque me tenho interrogado sobre a forma como a Europa, no seu conjunto, exporta, coloca no desemprego, os nossos jovens mais talentosos, verdadeiros génios, que vêem liquidadas, a meio das suas vida, as hipóteses de um futuro promissor.
Isto tudo é sinal de que alguma coisa no plano universitário, no plano científico e de investigação, está a correr mal. Daí que a Europa esteja a perder a guerra, não em termos militares, em número de porta-aviões, mas em termos culturais, educacionais e de investigação.

Urbi et Orbi - Contudo, em seu entender, os investigadores parecem não estar a ser devidamente apoiados?

Gomes Canotilho - A Europa está com uma má política de investigação, está com uma má política universitária, está com uma má política económica e no fundo está com uma má política para a defesa dos valores importantes para a Europa. È crucial que se modifiquem cenários como os actuais em que as “mentes brilhantes” sejam forçadas a procurar emprego e a continuar as suas pesquisas na América. É esse o grande poder que aquele país tem, neste momento, relativamente à Europa. O qual tende a aumentar e a tornar-se mais perigoso.

Urbi et Orbi - Em que perspectiva as leis e a constituição podem modificar esse cenário?

Gomes Canotilho - Parece paradoxal, mas um jurista não equaciona o verdadeiro valor das leis. Contudo, numa sociedade, como a actual, em que as fontes legislativas estão muito polarizadas, essa avaliação parece ganhar contornos verdadeiros. As leis, os decretos, vindos das mas variadas fontes, vão perdendo força. Só se volta a conquistar quando se lhe empresta o poder político. Mas desta forma as leis apontam uma determinada vontade, apontam para determinadas normas políticas.

Urbi et Orbi - Quanto ao futuro dos jovens, qual a sua opinião?

Gomes Canotilho - Os jovens hoje mostram capacidade de saberes muito superiores aos jovens, com boas notas, do meu tempo. Penso que hoje, os jovens têm mais competências e mais saberes. O grande problema tem sido o de enquadrar esta multiplicidade de sabres. Até porque, uma orquestra não é composta apenas por violinos, tal como o desenvolvimento social não é feito apenas com os licenciados.
Actualmente, existem outros acessos a fontes de informação, outra mobilidade de conhecimentos em termos culturais, geográficos e territoriais. Dispõem também de uma perspectiva crítica que muitas vezes não é canalizada partidariamente e ideologicamente, mas os jovens estão atentos e são críticos e conscienciosos. É um erro dizer que a juventude é desculturalizada.

Urbi et Orbi - Como vê então as leis para os novos meios de comunicação?

Gomes Canotilho - Relativamente a alguns meios de comunicação social tem de existir um novo enquadramento. Basta ler a nossa Constituição para vermos que, em relação aos meios de comunicação, tudo mudou. Quando se trata de novos órgãos de comunicação, nomeadamente, multimédia, apercebemo-nos que em dez anos, por exemplo, tudo está diferente. Muitas vezes, as leis têm de seguir a evolução tecnológica. Neste aspecto, isso tem de ser uma realidade.



Gomes Canotilho é um dos mais destacados constitucionalistas portugueses



Perfil



José Gomes Canotilho nasceu em Pinhel, a 15 de Agosto de 1941. Este homem da beira, criado entre os montes da Estrela ainda hoje, mantém “com orgulho” o sotaque beirão. Em Coimbra, lugar onde estuda e fica, posteriormente, como docente, faz carreira no campo do Direito. É licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, onde chegou já a ocupar o cargo de vice-reitor no tempo de Joaquim Teixeira Ribeiro, em 1975. É actualmente o presidente do Conselho Científico da Faculdade de Direito, depois de, em 2002/2003, ter sido responsável pela regência de Direito Constitucional nas licenciaturas de Direito e Administração Pública. Gomes Canotilho é catedrático de Ciências Jurídico Políticas da faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e responsável por uma vasta bibliografia no campo legislativo, da qual se destacam os seguintes títulos: Direito Constitucional e Teoria da Constituição; A Responsabilidade do Estado por Actos Lícitos; Constituição, Dirigente e Vinculação do Legislador; Direito da Propriedade e Defesa do Ambiente e Direitos Fundamentais.