António Fidalgo

Mas as crianças, Senhor, ...?!

É certo que houve o 11 de Setembro em Nova Iorque e os mortos foram aos milhares, é certo que houve o 11 de Março em Madrid com centenas de mortos, é certo que em Israel autocarros civis são alvos continuados de bombistas suicidas, mas ver morrer as crianças da escola de Beslan na Ossétia do Norte, aumentam-nos ainda mais a perturbação e levam-nos a perguntar como Augusto Gil: “ Mas as crianças, Senhor,/ porque lhes dais tanta dor?!...”

O terrorismo não olha a meios e não faz a distinção entre responsáveis e inocentes. É isso que o caracteriza e lhe empresta uma hediondez que nos repugna. Podem os terroristas invocar causas nobres, como a liberdade de um povo e de um país, podem invocar o próprio sofrimento e a humilhação em que vivem, mas não é aceitável, e nunca o poderemos aceitar, que inocentes sejam visados directamente e sacrificados como meio de indirectamente se infligirem danos.

A questão do terror hoje é uma questão civilizacional. Terror sempre o houve, e basta ler o admirável livro de Albert Camus “O Homem Revoltado” para percebermos o quão enraizado está na natureza e história do homem. Mas a civilização está justamente em construir princípios que balizem a acção humana, em reconhecer limites, em distinguir meios e fins, em respeitar normas. Talvez nunca pensássemos que numa era como a nossa a barbárie fosse uma ameaça séria e verdadeira. Mas a barbárie não é do passado e a civilização do presente ou do futuro. A barbárie não está fora, seja no tempo ou no espaço, antes jaz no fundo, ameaçando vir à superfície, por vezes quando menos se espera.

As crianças da escola de Beslan, lá longe no Cáucaso, são vítimas inocentes, como inocentes foram as vítimas das Torres Gémeas de Nova Iorque ou dos comboios de Madrid, só que a sua tenra idade retrata melhor a inocência. Está em causa a civilização e há que não ficar indiferente.