João Canavilhas

Comparar alhos com bugalhos

Há princípios básicos que devem ser observados quando se fazem comparações. Um deles, quiçá o mais importante, é apenas comparar o que é comparável. Ou seja, é absolutamente ridículo dizer que a fábrica A é mais produtiva que a fábrica B, porque a primeira produziu 500 parafusos e a segunda 15 automóveis. Vem isto a propósito das notícias que li acerca da 1ª fase de colocações no Ensino Superior. Como esta semana serão publicados os resultados da 2ª fase, é natural que o panorama se repita.
Um dos erros mais recorrentes é misturar numa mesma notícia o “número de vagas ocupadas” com o “número de candidatos” a um estabelecimento de ensino. E porquê? Porque “candidatos” e “colocados” não são dados comparáveis. Aquilo a que alguns chamam “candidato” é uma simples citação no boletim de candidatura. Explique-se. No impresso de candidatura ao Ensino Superior existem seis opções que o candidato pode preencher. A maioria dos candidatos preenche os seis campos, guardando as últimas opções para escolas cuja nota de acesso costuma ser mais baixa. O objectivo é ficar a salvo de qualquer imponderável, assegurando um lugar no Ensino Superior. Vamos a um exemplo. Um grupo de dez alunos pretende ingressar na escola A e coloca o nome dessa escola em primeira opção. De forma a assegurar o ingresso no Ensino Superior, o grupo preenche as restantes cinco opções com outros cursos da escola B. Como têm uma boa média, os dez alunos acabam por entrar na escola A. No dia em que são conhecidos os resultados, o presidente da escola A diz que preencheu as dez vagas disponíveis, enquanto o presidente da escola B salienta os 50 “candidatos” e omite que não colocou qualquer aluno. Conclusão: quem fala em “candidatos” tenta esconder problemas na captação de alunos e quem mistura estes dados na mesma notícia comete um erro.
Outra situação habitual é encontrar comparações de preenchimento de vagas entre escolas de áreas diferentes. Um jornal da nossa região destacava os bons resultados de uma Escola Superior de Educação face a uma Escola Superior de Tecnologia e Gestão do mesmo Politécnico. O único problema é que estas escolas não são comparáveis. Enquanto uma oferece cursos em áreas onde se exige a nota do exame nacional de Matemática, a disciplina com a média mais baixa, a outra exige provas cujas médias estão entre as mais altas. Por isso não é correcto salientar a estratégia de uma escola em detrimento da outra porque, simplesmente, o preenchimento de vagas não depende de factores controláveis pela direcção dessas escolas.
Outro erro comum é comparar as vagas não ocupadas numa Universidade com as de um Politécnico. No primeiro caso a nota mínima de entrada tem de ser positiva, enquanto no segundo caso é possível entrar com pouco mais de oito. Para além disso, nos Politécnicos existem as preferências regionais e habilitacionais, o que permite afectar entre 30 a 50 por cento das vagas para candidatos que preencham os requisitos necessários.
Restaria a possibilidade de comparar os cursos com o mesmo nome, mas até isso se tornou difícil. Neste momento existem múltiplos exemplos de cursos iguais onde se exigem provas de ingresso diferentes. Veja-se o caso da Gestão: numas escolas exige-se a prova de Matemática, noutras a de Economia.
É por tudo isto que estabelecer comparações a partir dos dados fornecidos pelo Ministério da Ciência e do Ensino Superior (MCES) é um exercício especulativo sem qualquer utilidade. O que vale a pena, isso sim, é analisar a revolução silenciosa que ocorre na oferta de licenciaturas em Portugal. Na ânsia de preencher mais vagas, as escolas fecham cursos sem procura, o que é natural, e abrem outros em áreas que são apenas especialidades de licenciaturas já existentes. Basta um olhar rápido sobre a oferta formativa do Ensino Superior para se encontrar um vasto leque de cursos cujas denominações são autênticas anedotas. Alguns nem sequer aparecem nos guias de profissões, pelo que a sua integração no mercado de trabalho será problemática. Estes cursos virão a revelar-se uma fraude para os seus licenciados, mas nessa altura ninguém será responsável por nada. O que é pena, pois esta deveria ser uma das principais preocupações do MCES.
Em lugar de se abrirem mais “cursos inovadores” numa qualquer região que “exige” uma Universidade, o ministério deveria procurar soluções para financiar as escolas que já existem, não as obrigando a procurar métodos expeditos para equilibrar orçamentos. A médio prazo, perderão os alunos, as escolas e o país, ou seja, perderemos todos.