São várias as peças de arte sacra que saem das mãos de um fundanense
Na Guarda
Fundanense transforma
betume judaico em santos

Na Beira Alta existe um fundanense (natural do Alcaide) a fazer sucesso. José Matos mora em Vila Franca das Naves, concelho de Trancoso, onde foi chefe da estação de caminhos-de-ferro. Aos 69 anos, reformado, dedica o seu tempo à arte e com betume judaico dá cor a imagens de virgens, santos e mártires da igreja católica, num "casamento" entre duas vertentes religiosas que se consumam em simples estatuetas de madeira esculpidas artesanalmente.


NC / Urbi et Orbi


É o Santeiro de Vila Franca das Naves. Sentado num banco "mocho", cobre-lhe a cabeça um boné cinzento. Um avental de ganga azul, onde são visíveis os cortes e as nódoas castanhas claras da madeira, protege-lhe a roupa do dia-a-dia, e uns óculos graduados apuram a vista que perscruta as linhas ideais dos cavacos informes que hão-de renascer em arte. Num espaço iluminado pela luz que entra pela porta, entre um labirinto de paus carcomidos, cavacos empilhados, pedaços de madeira informe e a banca de trabalho, brotam das mãos do artista peças religiosas que percorrem Portugal, mas também a Europa e as Américas. José Matos nunca pensou ser "santeiro". Nunca tinha trabalhado madeira, nem de tal fazia ideia. Mas desde garoto que é "curioso" destas coisas, que faz qualquer coisa, é "engenhoca". Por isso, sabe um pouco de tudo: já consertou rádios numa arte que aprendeu por correspondência, palmilhou "à antiga" sapatos - o que aprendeu "mirando os outros" -, soldou ferramentas..."Tudo começou num serão à lareira. Vi um pedaço de madeira de castanho em vias de ir para o lume. Tinha uma forma engraçada. Puxei da navalha e comecei a cascar no pau, donde me surgiu a ideia de esculpir um Cristo que lá saiu a jeito. Depois, foi a imaginação de novo que me fez desenhar e esculpir na outra face o Papa João Paulo II", recorda. Como se de um troféu se tratasse, José exibe essa primeira peça acabada em 1998, que busca escondida por entre um desfile de crucifixos, santos e mártires num improvisado mostruário. Demorou dois dias a fazê-la. Desta experiência - e "em vez de andar de café em café" - nasceu a vocação que o ocupa quase de sol a sol na oficina improvisada numa garagem, fronteira à Linha da Beira Alta.
Numa mesa centrada por um oratório, estão Santo António, S. João Baptista, S. Sebastião, Santa Marinha, São Francisco, Santa Rita, São Gonçalo de Amarante, Santa Eufémia de Braga, S. Macário do Alcaide, a Senhora do Ó, os pastorinhos e beatos Jacinta e Francisco Marto. Numa prateleira coberta de pó empilham-se outros "bonecos" de uma recriação de tourada, centrada por um touro a que já caiu um corno, o bandarilheiro ainda direito a desafiar o animal, uma vaca já tombada, os cabrestos. Falta o cavaleiro, que "seguiu já viagem para outras mãos apreciadoras de artesanato". Também estas foram das primeiras peças executadas, em castanho, pelo "santeiro" de Vila Franca das Naves. Pintadas a preceito.
A tília, o carvalho, a oliveira, o freixo, o amieiro, o castanheiro, o sangrinho - já raro - e o pinho partilham as esculturas e composições religiosas de José Matos. O carinho especial vai para o castanho velho, quantas vezes sobrante da remodelação ou demolição de casas, onde vai buscar traves carcomidas exteriormente ou tábuas já desgastadas que servem de matéria-prima.