Por Catarina Rodrigues e Eduardo Alves



"A Universidade deve criar nos seus alunos um espírito empreendedor"

Urbi@Orbi – Como vice-reitor quais as principais funções que desempenha?
Mário Raposo –
Trabalho na área das relações entre a Universidade e o exterior, mas também na preparação de candidaturas a projectos, na representação da UBI em tudo o que são órgãos nacionais e regionais. Outra das áreas onde estou também envolvido, através deste cargo, é na avaliação de vários cursos, feita a nível nacional.
Ainda como vice-reitor tenho também representação no Senado. Gosto de referir o facto que me liga a este órgão. Desde a criação do Senado que faço parte deste. Primeiro como representante dos professores assistentes, depois dos associados e, por inerência, agora como vice-reitor.

U@O – A UBI tem vindo, nos últimos tempos, a apostar no campo do empreendedorismo. Como explica esta escolha?
M. R. –
Uma área nova na qual temos vindo a apostar é na do empreendedorismo. É uma área que faz falta no País e nas próprias Universidades. Em consonância com outros colegas, temos vindo a introduzir cadeiras dessa área nos vários cursos. Isto porque, consideramos que a Universidade deve criar nos seus alunos um espírito empreendedor. O empreendedorismo é uma temática que extravasa os limites da Universidade. Mas é aqui que se deve começar a desenvolver o empreendedorismo de base tecnológica, ou seja, estimular nos alunos e investigadores, com base nos trabalhos e conhecimentos que estes adquirirem, que formem empresas. Empresas essas que se baseiam na competitividade e na liderança de mercado. Veja-se o caso do Parkurbis, que vai ser inaugurado em Julho, onde se encontra já um conjunto de empresas que são resultado de apostas por parte de alunos e investigadores da Universidade.

U@O – Os jovens licenciados mostram-se pessoas com espírito criativo e activo?
M. R. –
As Universidades desenvolvem nos seus alunos, não só um conjunto de competências científicas e profissionais que lhes permitem encarar de outra forma o mercado de trabalho, mas também, um conjunto de conhecimentos que desenvolvem nesses mesmos alunos um espírito crítico para que tomem iniciativas. Há que aproveitar todos esses factores e levar a que se dêem passos que de outra forma jamais seriam dados. Há que espicaçar as mentes. No caso do empreendedorismo, não significa que todos os alunos tenham de criar uma empresa, mas podem e devem tornar-se pessoas mais empreendedoras. As Universidades, hoje em dia, para além do papel fundamental de ensinar e investigar têm também o papel de serem empreendedoras e passar esse espírito aos seus alunos.




"A UBI soube dar às empresas muito daquilo que elas precisavam"

U@O – E estes estão a adaptar-se bem?
M. R. –
É um processo algo difícil. Este tipo de pensamento deve ser induzido mais cedo, nos graus de ensino precedentes do Superior. Mas, ainda assim, continua a caber à Universidade estimular nos alunos um espírito empreendedor. No que respeita às cadeiras criadas em alguns cursos neste âmbito, tem havido uma boa abertura por parte dos estudantes. Estes gostam das matérias e respondem ao estudo de melhor forma. Têm também participado em alguns concursos, como o Concurso Nacional de Empreendedorismo, em que 19 por cento dos projectos pertencia a alunos da UBI. Das 20 melhores ideias seleccionadas no final, há elementos da UBI em quatro.

U@O – A UBI é parceira no projecto do Parkurbis. Qual o papel que espera ver desempenhado por esta estrutura?
M. R. –
A função deste espaço é fazer a ponte entre o mundo académico e o mundo empresarial. Em grande parte dos casos, empresas e Universidade andam de costas voltadas. Isto porque a Universidade tem uma determinada característica, que é a valorização do conhecimento científico, do conhecimento académico. Por outro lado, as empresas são muito pragmáticas, querem as coisas resolvidas muito rapidamente e não podem estar assentes em idealismos e teorias. Há portanto a necessidade de ligar estes dois mundos, até porque a ligação Universidade/empresa é cada vez mais importante. No caso do Parkurbis pensou-se numa estrutura que viesse desenvolver a relação entre o saber universitário e o mundo empresarial, conferindo-lhe uma nova perspectiva. Interessava à região diversificar o tecido empresarial, mas contar também com entidades mais inovadores, mais dinâmicas e competitivas. Daí que o Parque de Ciência e Tecnologia tenha essa função. Aproveitar as ideias inovadoras que surgem de centros tecnológicos para revitalizar o tecido empresarial que existe na nossa região.

U@O – Como tem sido a relação entre a UBI e o meio empresarial?
M. R. –
Tem vindo a melhorar cada vez mais. A UBI soube dar às empresas muito daquilo que elas precisavam. E as empresas viram na Universidade um parceiro para o desenvolvimento tecnológico e para o “upgrading” de ideias e recursos humanos. Na região existe um grande número de pequenas e médias empresas, daí que a UBI tenha feito um grande esforço de procurar chegar até essas mesmas entidades. A cooperação tem assim existido em vários domínios, o mais visível talvez, seja o dos estágios profissionais. Isto porque, quando um aluno da UBI vai efectuar um estágio numa empresa é uma forma dessa entidade ficar a conhecer novos métodos que chegam da Universidade e verificar também se esse mesmo profissional confere algum valor acrescentado à empresa, de forma a poder contratá-lo.



"Todos os cursos têm ofertas de estágios"

"Estamos numa época em que importantes desafios se colocam às Universidades"

U@O – A criação de um Centro de Estágios ajudou a criar um maior entrosamento entre a Universidade e as empresas?
M. R. –
Em 1996, alguns alunos do curso de Gestão desafiaram-me a encontra-lhes alguns estágios, de forma a poder ajudá-los a inserirem-se no mercado de trabalho. Nesse primeiro ano telefonei para algumas empresas e promovi alguns contactos e consegui encontrar vários estágios. Com o apoio da reitoria da UBI transformámos essa ideia num gabinete de estágios, de tal modo que hoje, passados estes anos, todos os cursos têm ofertas de estágios. Em muitas áreas, as ofertas chegam a ser maior que a procura. Isto não acontece em todas as áreas, mas existem casos com muito bom resultado.
Por outro lado, as empresas têm encarado tudo isto de maneira bastante positiva. Hoje em dia já são as empresas que nos procuram. Daí que estejamos a pensar em internamente tornar todo este processo mais fácil e aproximá-lo do aluno. Estamos a candidatar o Gabinete de Estágios a um projecto que nos permita criar uma linha informática com vários terminais espalhados pela UBI, onde o aluno possa consultar todas as ofertas de emprego, de estágios, todas as necessidades das empresas e nesses mesmos terminais, inserir os seus dados, os seus currículos e responder a esses anúncios.

U@O – Trinta anos de Ensino Superior na região e 19 anos de Universidade. Que análise faz da UBI no contexto regional?
M. R. –
A UBI teve um impacto muito positivo na região, a vários níveis. A Universidade conseguiu trazer para a região o Ensino Superior e tudo o que isso significa. Como alguns recursos humanos não existiam, formámo-los. Fomos contratar pessoas estrangeiras, algo em que fomos bastante criticados na altura, contudo, essa estratégia foi bem sucedida. A região ganhou também um conjunto diversificado de áreas científicas, a última das quais, a medicina. Por outro lado, esta instituição trouxe sobretudo para a Covilhã, gente jovem. A cidade passou por um processo de reestruturação industrial bastante complexo, o qual causou graves problemas sociais. A Universidade funcionou como um amortecedor social e económico dessa transformação. Houve jovens a vir para Covilhã e para toda esta zona, trazendo tudo o que de positivo lhes está associado. A Universidade trouxe também uma mudança ao nível cultural e ao nível científico. Muito do que se faz na Covilhã, em termos culturais, deve-se aos alunos da UBI. Recordo a Associação Académica, os núcleos, as tunas e o teatro, entre outros. Da parte científica, os congressos e as reuniões que se fazem.
Veja-se um outro facto curioso. As cidades do interior que têm Ensino Superior, como é a Guarda, a Covilhã e Castelo Branco, são aquelas que desde a década de 90 do século passado não perderam população. O que nos leva a dizer que a qualidade de vida nesta região melhorou significativamente.

U@O – Como director do Centro de Estudos de Desenvolvimento Regional quais os cenários futuros e os projectos que lhe ocorrem?
M. R –
Estamos numa época em que importantes desafios se colocam às Universidades. Como há menos alunos, as instituições vão impor-se pela qualidade e pela excelência no ensino. A UBI está também empenhada em implementar o Processo de Bolonha, um novo método de ensino, não centrado no professor, mas sim no aluno. Existe outro importante desafio que é o de continuar a ligação às empresas, na medida em que as empresas já exigem que a Universidade se ligue a elas pelas investigações que esta faz e aí terá de se apostar na pós-graduação.




"O País já não precisa de mais instituições de Ensino Superior"

U@O – Assiste-se hoje a um decréscimo de alunos a concorrer à Universidade, mas a uma multiplicação de instituições ou licenciaturas. Como olha para esta dualidade?
M. R. –
O País já não precisa de mais instituições de Ensino Superior. Deve-se é exigir às instituições que existem um ensino de maior qualidade e uma actualização dos currículos das licenciaturas à realidade e à exigência que hoje em dia a sociedade e o mercado de trabalho colocam ao Ensino Superior.
Uma instituição de Ensino Superior não é um conjunto de carteiras e de cadeiras, é uma instituição com um conjunto de quadros técnicos e humanos altamente qualificados. Não basta criar uma instituição e dizer que vamos criar ali um curso superior. Para tal é necessário criar-se um corpo docente de qualidade e depois oferecer um ensino no mesmo patamar.

U@O – Para além da Universidade existem também os politécnicos de Castelo Branco e da Guarda. Existe uma boa relação com estas instituições?
M. R. –
Estas instituições desempenham papéis diferentes. Todas representam uma necessidade própria, daí que as relações entre Universidade e politécnicos sejam bastante boas. Para além das ligações formais, existem projectos e investigações, assim como parcerias entre docentes que decorrem entre as instituições.



"As Universidades, num futuro próximo, terão de competir de igual para igual"

"A UBI tem ganhado prestígio nalgumas áreas específicas"

U@O – A UBI, como Universidade localizada no interior do País acaba por sofrer, em certa medida, com esse facto. Contudo, tem encontrado em Espanha, nomeadamente nas Universidades de Salamanca e da Extremadura, fortes aliados. Em que patamar estão essas parcerias?
M. R. –
A nossa proximidade com Espanha permite termos relações privilegiadas com Universidades daquele país vizinho, em alguns casos, relações mais facilitadas do que com Universidades portuguesas localizadas no litoral, até porque estas olham para as Universidades localizadas no interior com um certo distanciamento, dado o cosmopolitismo que caracteriza, geralmente, as pessoas dessas Universidades. Ao contrário, Espanha é um país marcado pelas regiões e pelo facto da capital não estar perto do mar, mas sim no interior, o que leva a pensar a interioridade de uma outra forma diferente daquela que se pensa em Portugal.
Temos conseguido chegar a formas conjuntas de investigação e de estudos, conseguindo algumas relações interessantes, quer com Salamanca, quer com a Extremadura, aqui com as Universidades de Badajoz e Cáceres, e com outras tantas instituições espanholas. Estas parcerias têm-nos permitido concorrer a projectos europeus, uma vez que estamos certos de que as ligações internacionais são muito importantes, visto que hoje, num ambiente europeu torna-se necessário estudar os problemas de um e de outro país e ver onde estão as soluções. No futuro pretendemos alargar estas parcerias a outros países europeus e também ao Brasil. Este país tem a vantagem da língua mãe ser a mesma e de ter um enorme mercado.

U@O – Deve haver estratégias de competitividade entre as instituições de Ensino Superior?
M.R. –
Num mundo cada vez mais global as instituições têm de encontrar os seus caminhos próprios e as suas especificidades próprias. As Universidades, num futuro próximo, terão de competir de igual para igual. Contudo, e devido a alguma mentalidade instalada no nosso País, assiste-se ainda ao preconceito de que tudo o que se faz em Lisboa, no Porto e em Coimbra é bom, fora dessas áreas, nada presta. Não é que isso seja real ou que acontece. Nem só a nossa Universidade, mas também outras instituições no interior do País têm demonstrado que as investigações feitas têm qualidade. Mas este é um processo que se ganha aos poucos, caminhando para um mesmo fim. A imagem da UBI tem vindo a mudar, notamos isso quando as empresas seleccionam alunos, fazem-no de forma geral, não limitam as escolhas a alunos formados nesta ou naquela Universidade, mas em todas.
Por outro lado, é também já um facto consolidado, o de que a UBI tem ganhado prestígio nalgumas áreas específicas o que leva os alunos a procurarem-nos em primeira opção.





Perfil



Mário Raposo nasceu no Tortosendo, freguesia do concelho da Covilhã, a 27 de Maio de 1959. A escola primária foi feita nessa vila e o restante percurso académico desenrolou-se na cidade da Covilhã. Na Escola Campos Melo frequentou o Curso Geral de Administração e Comércio, tendo posteriormente realizado os exames complementares para acesso ao Ensino Superior. No ano lectivo de 1976/1977 torna-se aluno do então Instituto Politécnico da Covilhã (IPC), no bacharelato em Contabilidade e Administração. Este curso foi transformado em licenciatura de Gestão, a qual acabou por terminar já no Instituto Universitário da Beira Interior (IUBI), no ano lectivo de 1981/1982. Mesmo antes de dar por concluído o seu percurso académico enquanto estudante, trabalhou como contabilista, continuando os estudos no período nocturno. “Trabalhei em algumas empresas aqui da zona, o que me permitiu financiar uma parte dos estudos e também obter o dinheiro para as despesas pessoais”, sublinha Mário Raposo. Este trabalho nas empresas privadas, no final da licenciatura, continuou por mais um ano. Entra então na Universidade da Beira Interior (UBI) como assistente estagiário a 10 de Outubro de 1983. “Vim leccionar as cadeiras de Auditoria, ao curso de Gestão, e Introdução à Gestão, no curso de Engenharia Têxtil”, recorda. Continuou ligado ao Departamento de Gestão e Economia leccionando cadeiras dentro dessa área. Durante vários anos é docente na área da Auditoria, mais tarde opta por uma área comercial, o que levou a que em 1988 começasse a leccionar Marketing. Área de trabalho que se mantêm até hoje.
A nível da carreira académica recorda que quando começou ainda não existiam os mestrados, daí ter feito as Provas de Aptidão Científica e Capacidade Pedagógica em 1988. Em 1989 ingressou num curso de pós-graduação na Universidade Autónoma de Barcelona, com o objectivo de realizar o doutoramento. Em Barcelona frequenta a parte teórica do doutoramento, uma vez que este estudo previa que os doutorandos voltassem para as suas Universidades, com a finalidade de leccionar e apresentar a sua tese. Em Dezembro de 1994 defende então o seu doutoramento na UBI. A colaboração com o Departamento de Gestão e Economia da UBI torna-se ainda mais forte e assume a direcção do mestrado em Gestão, onde ainda lecciona algumas cadeiras de Marketing e Estratégia.
A progressão na carreira conduz Mário Raposo a professor associado, em 1998. “Nessa altura fui convidado para assumir a pasta de vice-reitor, então deixada vaga pelo professor António Fidalgo, visto que este tinha ido para os Estados Unidos, com a finalidade de realizar estudos”. Uma função que advêm também do facto de já ser pró-reitor da UBI para as relações com o exterior. Assume pois esse cargo e continua com as ligações às empresas e a projectos de dinamização da região. É assim que surge o Centro de Desenvolvimento Regional, onde foram feitos alguns estudos que tiveram impacto na região. Recorda o Parque de Ciência e Tecnologia, Parkurbis, um projecto que foi desenvolvido e coordenado pelo Centro de Desenvolvimento Regional. Outro dos projectos onde este organismo conseguiu vingar e ter grande responsabilidade foi na criação e desenvolvimento do Cybercentro da Covilhã.
Já em 2002 faz a sua agregação e em 2003 passa a catedrático do Departamento de Gestão. Lecciona actualmente cadeiras na licenciatura de Marketing, uma licenciatura que sempre entendeu como muito importante, dada a necessidade de formar recursos humanos competentes para as empresas.
Nos tempos livres, Mário Raposo descansa. “Costumo dizer que nos tempos livres não faço nada. O meu hobbie é, de facto, descansar, sentar-me no sofá a ver televisão ou ler um livro”. Nas obras literárias o seu destaque e preferência vai para livros como o “Código Da Vinci” ou “O Segredo dos Templários”, obras que tratam de questões que “me interessam mais no sentido de oxigenar a mente”.