O coração da Ria Formosa





 

 

 

 

 

 

 

 


Faro



Por Nélia Sousa



A alvura das casas caiadas de um branco imaculado, as platibandas coloridas a que se juntam as chaminés de beleza inigualável, o emaranhado de ruas e vielas estreitas ostentando sumptuosos palacetes, as muralhas que guardam nas suas pedras marcas de um passado histórico povoado por Fenícios, Gregos, Celtas, Cartagineses, Romanos, Visigodos, Bizantinos, Normandos e Árabes, as águas cristalinas da Ria Formosa, detentora de uma fauna e flora únicas, os encantos das gentes de olhar alegre e sereno, verdadeiras testemunhas de saberes ancestrais. Eis um pequeno esboço de uma das cidades mais prósperas e encantadoras do sul de Portugal.
Caminhar por Faro é percorrer séculos de história que começa sobretudo durante o período da ocupação romana. Ossónoba, assim designada pelos Visigodos, torna-se a partir do século III sede de bispado. Todavia, é durante o período árabe, iniciado no século VIII, que a cidade adquire o estatuto da mais importante localidade do extremo sudoeste da península. No século IX a cidade é fortificada com uma cintura de muralhas e o nome de Ossónoba é substituído pelo de Santa Maria de Harune, devido à família árabe Harune que dirigiu a taifa, e que mais tarde deu origem ao nome de Faro. Em 1249, com a reconquista cristã, Faro é integrada no território português tornando-se uma cidade próspera devido à sua posição geográfica, ao porto seguro, à exploração e comércio do sal e dos produtos agrícolas do interior algarvio incrementado com os Descobrimentos. O seu contínuo crescimento faz com que em 1540 seja elevada a cidade e se transforme em 1577 na sede de bispado do Algarve, anteriormente pertencente a Silves, conferindo-lhe uma nova importância.
Faro é hoje a capital administrativa do Algarve e uma das cidades portuguesas mais visitadas não só por portugueses mas também por estrangeiros que vêm à procura do afamado clima mediterrânico, das magníficas praias e da boa gastronomia. Porém, Faro tem muito mais para oferecer. Deixamos-lhe aqui um roteiro turístico da cidade que é este ano a Capital Nacional da Cultura.




Entre muralhas

A melhor maneira de apreciar pormenorizadamente o património histórico, cultural ou natural de uma cidade é percorrê-la a pé. Eis a sugestão que aqui deixamos para uma viagem onde a história renasce em cada esquina. Percorra os três núcleos que constituem o centro histórico: Vila Adentro, Mouraria e Bairro Ribeirinho. Iniciemos então a viagem rumo à cidade velha.

Vila Adentro

O nosso ponto de partida vai ser a Doca de Faro onde o verde dos jardins mistura-se com as embarcações ancoradas no pitoresco porto. A partir daqui siga em direcção ao jardim Manuel Bívar, onde se encontra um lindíssimo coreto dos finais do século XIX. No topo do jardim encontra o primeiro grande monumento: o Arco da Vila. Inaugurado em 1812, trata-se de um portal monumental, construído sobre uma das portas medievais das muralhas da autoria do arquitecto italiano Francisco Xavier Fabri. Na sua fachada pode ver-se um nicho com a imagem de São Tomás de Aquino de origem italiana. No interior sobressai um belíssimo portal em ferradura das muralhas árabes, único no Algarve. Ao lado do Arco da Vila encontra-se um bonito edifício do século XIX onde funciona o Governo Civil. Uma vez atravessado o Arco contemple a interessante fachada da Ermida de Nossa Senhora do Ó. Suba, agora, a Rua do Município onde vai encontrar no lado esquerdo os Paços do Concelho, um elegante edifício do século XIX, e no lado direito o Paço Episcopal, um dos principais edifícios do Algarve do período “arquitectura chã”. Eis que chegamos ao Largo da Sé, local onde está edificada a antiga Igreja de Santa Maria de Faro, hoje, Sé Catedral, construída no século XIII/XIV, mas que sofreu bastantes estragos com os terramotos de 1722 e 1755. Não obstante, a sua sumptuosidade está espelhada na magnífica talha dourada, nos mármores com embutidos, nos painéis de azulejos, nas pinturas e esculturas que a adornam. Em frente da Sé e paralelo às muralhas ergue-se o Seminário Episcopal. Ao lado deste e seguindo em direcção à Rua do Arco e Rua do Trem encontram-se as galerias municipais Trem e Arco, instaladas em antigos edifícios militares. Se é amante de arte contemporânea portuguesa então vale a pena demorar-se um pouco mais por estes lados. Saiba que na Galeria Municipal Arco pode igualmente apreciar uma extensa colecção de brinquedos antigos. Na Rua Nova do Castelo pode ver o que ainda resta da antiga alcáçova, que sofreu grandes modificações com a instalação, no início do século XX, de uma unidade industrial. Volte para trás e procure a Rua do Castelo. Siga em direcção à Praça Afonso III e entre no Museu Arqueológico e Lapidar Infante Dom Henrique instalado no antigo convento de Nossa Senhora da Assunção. As diversas salas pelo qual se divide apresentam um espólio importante de arqueologia romana e medieval, colecções de arte sacra, azulejos e objectos decorativos variados.
E para concluir este percurso pela Vila Adentro siga agora rumo à Rua do Repouso. Aí avista um bonito arco – Arco do Repouso – composto por duas torres albarrãs e que faz parte dos muros de defesa de Faro, construídos pelo príncipe muçulmano Bem Bekr no século IX.

Mouraria

O esplendor das casas de fachadas enobrecidas por cantarias lavradas, janelas de sacada, os característicos telhados de tesoura, os prédios de arquitectura revivalista das primeiras décadas do século XX do palácio Belmarço e do Banco de Portugal com influências revivalistas, neo-manuelinas e islâmicas são a herança de um período próspero da história de Faro.
O trajecto pela Mouraria deve começar pela visita à Igreja da Misericórdia, a única no Algarve com planta de cruz grega. Siga depois para a rua principal de Faro, a Rua de Santo António, onde se concentra o grosso da população e lugar ideal para fazer compras pois está repleto de lojas, cafés e pastelarias. No final da rua, à direita, encontra-se o Museu Regional do Algarve detentor de uma valiosa colecção de peças, pinturas e objectos típicos da etnografia algarvia. Daqui siga em direcção ao Largo Pé da Cruz onde um edifício do século XVIII aguarda a sua visita – a Ermida de Nossa Senhora do Pé da Cruz. A alguns metros daqui avista a Cerca Seiscentista. Trata-se de parte dos muros de defesa construídos no século XVIII, que envolviam toda a cidade. Um pouco mais abaixo ergue-se o Celeiro de São Francisco, um edifício de planta octogonal do século XVIII e cujas representações em argamassa de Hércules e do gigante Adamastor que decoram dois lados da fachada suscitam grande interesse pelo seu valor artístico.
Termine o seu passeio no Café Aliança, na Rua de Santo António, o mais antigo e com maior tradição cultural na cidade de Faro. Aproveite para pedir um típico doce de figo, amêndoa ou alfarroba complementado com uma aguardente de medronho, destilada na serra em velhos alambiques cobreados.


Bairro Ribeirinho

Continuemos a nossa magnífica viagem seguindo agora para outro perímetro da cidade. No Bairro Ribeirinho o visitante deve começar por ver a igreja de São Pedro, localizada no Largo de São Pedro e cujo valioso espólio passa pelo pórtico em estilo maneirista, a capela-mor com retábulo de talha do final do século XVII e pela Capela das Almas com um importante núcleo de azulejos decorativos.
Por detrás da Igreja de São Pedro situa-se a Igreja do Carmo, um edifício de grandes dimensões com uma fachada imponente e duas torres sineiras que marcam o perfil da cidade de Faro. É de facto um dos mais importantes monumentos religiosos do património artístico algarvio. Neste monumento destaca-se sobretudo a pitoresca mas lúgubre Capela dos Ossos, construída em 1816.
Prossiga agora para a Rua da Boavista e percorra-a até ao final. Aí encontra a Igreja e Convento dos Capuchos, com um importante núcleo de azulejos historiados do século XVIII na capela-mor e nas paredes laterais e um pequeno e harmonioso claustro. Passe a Rua Serpa Pinto e entre na Rua do Compromisso. Avistará a Casa do Compromisso Marítimo, edifício do início do século XVIII. Trata-se de uma instituição de solidariedade dos marinheiros e pescadores que fizeram a prosperidade de Faro durante séculos.
A alfândega e a Ermida da Madalena dão por concluída a visita a estes três núcleos históricos. Mas muito mais há para ver. A cidade, que sofreu um desenvolvimento urbanístico assinalável nos últimos tempos, apresenta ainda um conjunto de ermidas e igrejas dignas de visita. Para além dos templos religiosos, há a destacar o Teatro Lethes, antigo colégio de jesuítas, a Horta do Ourives, o Museu Marítimo Almirante Ramalho Ortigão, com uma interessante colecção etnográfica sobre as actividades marítimas e de pesca no Algarve, o Centro de Ciência Viva, onde o visitante é convidado a participar e descobrir o mundo real e virtual através da exposição sobre o Sol, navegação no Ciber-Espaço, observação dos planetas e Mediateca.
Fora da cidade estende-se um manto verde de hortas repletas de doces laranjas brilhando ao sol, charnecas habitadas por alfarrobeiras, amendoeiras, figueiras e oliveiras, casas térreas de portas e janelas debruadas a cores fortes, noras de alcatruzes que extraíam água fresca e benfazeja, herança dos mouros. É neste cenário que vai encontrar a cinco quilómetros de Faro a pequena povoação de Estoi e junto a ela as ruínas romanas de Milreu, uma importante casa agrícola do século I que, no século III foi transformada em vasta e luxuosa “villa” embelezada com mosaicos que representam a fauna marinha. Em Estoi pode ainda admirar a magnificência do seu Palácio construído em estilo neo-barroco e neo-rococó de onde sobressaem os jardins geométricos exibindo várias fontes e estátuas.

Tesouros Naturais

Imponente, mágica e sedutora, Faro ergue-se esplendorosa entre preciosidades arquitectónicas e um património natural único. Se por um lado os magníficos tesouros de arte desvendam séculos de história riquíssima, por outro a beleza rara e natural da Ria Formosa, por onde esvoaçam flamingos, garças-boeiras, galinhas d’água, patos reais e peneireiros, faz brotar das suas águas cristalinas e luminosas o ganha-pão das suas gentes. Daqui sai o marisco, o peixe e o sal que são a principal fonte de subsistência de muitos pescadores locais.
A Ria está separada do mar por um longo cordão de dunas, canais e ilhas estreitas e arenosas. As ilhas de Faro, Farol, Barreta e Culatra apresentam sem dúvida um cenário paradisíaco para quem quer desfrutar de uns dias tranquilos.

Capital Nacional da Cultura

Apostando fortemente no desenvolvimento turístico e cultural, Faro projecta-se como uma cidade com um perfil e dinamismo ímpares. A instalação do aeroporto internacional, conferindo-lhe uma projecção internacional, a criação da Universidade do Algarve, do Conservatório Regional e do Hospital Regional influenciaram positivamente a vida económica, social e cultural da cidade.
Este ano Faro orgulha-se de mais uma conquista que veio dar provas de que a cidade desempenha também um importante papel a nível cultural. O projecto Capital Nacional da Cultura instalou-se na capital algarvia dando uma nova vivacidade ao campo das artes e das letras ao mesmo tempo que procura projectar Faro e o Algarve como pólos de turismo cultural não só a nível nacional como também internacional. Música, teatro, dança, exposições, cinema, o novo circo, as manifestações literárias vão inundar Faro de cor, brilho e magia.
Resta-nos convidá-lo a partir à descoberta de Faro e do que a cidade tem de melhor.