A Cidade dos Descobrimentos
 
 
Lagos
 
Por Nélia Sousa
 
O olhar saudoso estende-se, infinitamente, pelo Atlântico, em busca de um passado embrulhado nos sonhos das grandiosas proezas realizadas pelos bravos e destemidos navegadores que, em frágeis caravelas, desvendaram os primeiros segredos do tenebroso mar e levaram até aos cinco oceanos a cruz de Cristo.
É sob este prisma que Lagos se desnuda ao visitante que ali chega em busca de outras aventuras, menos arriscadas e mais contemplativas.
Caravelas, naus, navegadores, piratas e escravos povoaram durante décadas cada rua, cada esquina desta histórica cidade preenchendo e enriquecendo parte significativa da História de Portugal. Ali figuram as marcas de um período épico que vale a pena conhecer detalhadamente.
À semelhança de outras cidades algarvias, Lagos foi ocupada pelos árabes durante cinco séculos. Este contacto estimulou as relações comerciais com o Norte de África que se mantiveram e alargaram, após a conquista cristã, ao Mediterrâneo e Norte da Europa dando aos mareantes algarvios conhecimentos que se revelaram preciosos para os primeiros passos da navegação no sul do Atlântico.
Lançados na aventura de explorar outras terras, navios algarvios, partidos sobretudo do porto de Lagos, iniciam, assim, a gesta dos Descobrimentos, fazendo do século XV o século de ouro de Lagos. Primeiro os lacobrigenses Lourenço Gomes e António Gago que em 1419 descobriram a ilha da Madeira. Segue-se depois o notável navegador Gil Eanes que em 1434 partiu do porto de Lagos para dobrar o Cabo Bojador, expressão dos medos medievais do mar desconhecido e porta de acesso para o sul de África.
Lagos foi capital do Algarve de 1576 a 1756. A sua importância económica, política e social contribuiu para a edificação de novas igrejas, o aumento do número de casas e para o crescimento do número de comerciantes e banqueiros nacionais e estrangeiros. Todo este fulgor urbanístico estende-se pelo século XVI com a construção de novas muralhas, reforçadas no século XVII, através da edificação de Fortes em pontos estratégicos.
Para além das caravelas que partiam à descoberta de novos mundos, ao porto de Lagos chegavam também produtos exóticos, marfim, ouro e prata trazidos de África. E não só. Pois se o esplendor dos Descobrimentos centrava-se nestes importantes feitos, outros houve que marcaram negativamente o período dourado da Expansão Portuguesa. Em 1441 Nuno Tristão chega a Lagos com escravos vindos do Saara dando início ao primeiro mercado de escravos da Europa.
O Algarve, com Sagres e Lagos como símbolos, têm assim um lugar importante na primeira fase dos Descobrimentos.
 
 
À descoberta de Lagos
 
Lagos deixou de ser o porto de partida para outros mundos para se transformar no ponto de chegada de outros povos. Berço dos Descobrimentos, Lagos é anualmente invadida por milhares de turistas que procuram no sol e no mar um interessante atractivo.
Ligada fortemente ao mar com quem estabelece uma relação quase familiar, Lagos vê na pesca e no turismo as principais fontes de riqueza. Basta entrar no pitoresco mercado municipal para nos darmos conta da variedade de peixes e mariscos espalhados pela lota: sardinhas, polvos, chocos, langueirão, mexilhão, perceves, conquilhas, amêijoas, lulas fazem as delícias de qualquer apreciador de um bom peixe fresco.
Apesar do terramoto de 1755 e o maremoto terem destruído grande parte da cidade que só a partir do XIX, com a indústria de conservas de peixe e o comércio, inicia a recuperação da sua prosperidade, Lagos conserva ainda nas suas ruas e praças muito do encanto de uma cidade secular. A parte da cidade nascida da expansão dos séculos XV a XIX tem o seu coração na Praça Gil Eanes e no meandro de ruas onde se descobrem azulejos ao gosto “arte nova”, casas apalaçadas de fachadas nobres, a alvura das paredes recortadas pelas cantarias das janelas.
Vale a pena demorarmo-nos pelos monumentos históricos da bonita cidade que trazem à memória os feitos do passado. Propomos-lhe que faça uma visita demorada à Igreja de Santo António, verdadeira guardiã da História e da Arte em Lagos, com a sua belíssima talha dourada que cobre o altar-mor e as paredes laterais, também elas revestidas por azulejos em azul e branco. O tecto de madeira ostenta uma magnífica pintura. Todos estes atributos levaram a que fosse classificada como Monumento Nacional em 1924. Integrado na Igreja fica o Museu Regional de Lagos composto por um importante núcleo de arte sacra, com imagens dos séculos XVII e XVIII. Se é amante da fotografia saiba que nestes locais é proibido fotografar pelo que a memória vai ser a sua câmara.
As Igrejas de São Sebastião, de Santa Maria, de Nossa Senhora do Carmo (também conhecida como Convento das Freiras) e as Ermidas de São João Baptista, São Pedro do Pulgão e o Oratório de São Gonçalo, patrono dos pescadores de Lagos, dão por concluída a viagem pelos principais monumentos religiosos da cidade.
Porém, muito mais há para ver e admirar. Perca-se pelas ruas e becos de Lagos. Não se esqueça de passar pela Rua da Zorra, com o seu aspecto pitoresco, oferecendo uma paisagem de sonho, ou pela Rua da Barroca com profundos traços árabes.
Na Praça Infante D. Henrique encontra o Mercado de Escravos, relembrando uma época mais austera do povo português. Foi o primeiro do género em Portugal e por ele passaram dezenas de escravos trazidos pelas naus nas suas viagens a África. Actualmente é utilizado para exposições itinerantes. Um pouco mais ao lado fica o Armazém Regimental, datado do século XVII, destinado a armazém de armas. Funciona, hoje, como galeria de arte.
A próxima paragem deverá ser no Castelo dos Governadores, imóvel de construção árabe que sofreu múltiplas alterações. No século XIV foi aí estabelecido o governo militar do Algarve e mais tarde tornou-se a sede dos governadores do Algarve. Do Castelo seguimos em direcção ao Forte da Ponta da Bandeira ou de Nossa Senhora da Penha de França, um autêntico ex-libris das fortificações marítimas da antiga Praça de Guerra de Lagos. No interior, chama-nos a atenção a pequena capela com azulejos do século XVII. A partir deste Forte pode-se vislumbrar a perfeita harmonia entre o casario branco reluzindo ao sol e o intenso azul do mar.
Contorne agora a área envolvente às muralhas que datam presumivelmente da presença cartaginesa ou romana, com reedificações árabes e cristãs. Duas altaneiras torres albarrãs defendem a entrada da porta de São Gonçalo. As restantes muralhas que envolvem a cidade foram construídas, de 1520 até finais do século XVI, para defendê-la da pirataria e das frotas hostis. O conjunto das muralhas proporciona bons panoramas sobre a cidade, a baía e a Serra de Monchique.
É na Praça Luís de Camões e na Praça Gil Eanes que a cidade rodopia ao som de típicas músicas levadas até ali por gentes de várias raças, crenças e culturas. Lugar ideal para descansar após uma intensa visita. Até D. Sebastião é mais uma estranha figura, imóvel, no centro da Praça Gil Eanes, passando quase desconhecido aos olhares curiosos de quem passa. A escultura, da autoria de João Cutileiro, foi designada como um dos mais belos exemplares de escultura a sul do Tejo. Ainda assim há quem diga que o monumento não se enquadra na arquitectura típica da cidade entrando em conflito com a imagem que conhecemos dos livros de D. Sebastião. Não é preciso percorrer muitos metros para encontrar quase lado a lado várias esculturas alusivas aos Descobrimentos. Por exemplo, o monumento da autoria de Alexandre Barata que homenageia os Navegadores Lacobrigenses que, com determinação e impulsionados pelo Infante D. Henrique, iniciaram no século XV as viagens dos Descobrimentos, apresenta uma forma em espiral representando o movimento progressivo através do mar e do desconhecido.
A estátua do Infante D. Henrique, uma excelente obra de arte que imortaliza a figura daquele que ficou para sempre conhecido como “O Navegador” e a estátua de Gil Eanes, ilustre lacobrigense, são excelentes obras de arte. Para ver ainda o tríptico à Batalha de Alcácer Quibir, também da autoria de João Cutileiro, e que retrata a Batalha de Alcácer Quibir e o desaparecimento do rei D. Sebastião; o Padrão Comemorativo do 10 de Junho, da autoria de Jorge Mealha; e o monumento alusivo aos grandes combatentes.
Quando o sol se põe lá no horizonte dando instruções à lua para agitar a cidade, Lagos desperta para outras sensações. As visitas culturais dão lugar aos encantos lúdicos de uma noite que só termina quando o sol lança os primeiros raios na terra.
 
 
Recantos atraentes
 
O longo areal da Meia Praia contrasta com a beleza natural das camadas rochosas esculturalmente esculpidas pela natureza e mergulhadas no verde esmeralda do mar cristalino e transparente. As rochas erguem-se em formas caprichosas guardando grutas que fazem a ligação entre sucessivas praias. A erosão do mar prova que a natureza é a maior artista de todos os tempos, desenhando nas rochas formas redondas ao que se juntam as conchas trazidas pelas ondas e pelo vento com o objectivo de tornar a paisagem ainda mais bonita.
É por estes atraentes recantos da costa de Lagos que lhe propomos o próximo passeio. Depois de percorrer a Avenida dos Descobrimentos e apreciar as embarcações ancoradas na Marina pare junto a uma das várias bancas que oferecem mini-cruzeiros para visitar as grutas e enseadas desta costa. Nestes pequenos barcos, conduzidos por velhos lobos do mar, vai poder dar-se conta do fascinante rendilhado das formações rochosas, das arribas coloridas e das águas transparentes, límpidas e tranquilas das praias da Batata, Solaria e Estudante, ligadas entre si por túneis talhados nos rochedos, ou da praia de D. Ana, praia do Camilo ou praia da Luz. Se é apreciador de desportos mais radicais então a Meia Praia, com um extenso areal, é ideal para praticar Windsurf, Vela, Esqui Aquático, Mergulho, Surf ou Pesca. É costume verem-se muitos apanhadores de conquilhas por estas paragens.
Mais para o interior a paisagem ganha outros tons. O verde dos campos e o branco das casas caracterizam as típicas freguesias rurais onde os saberes das gentes de chapéu de empreita e mãos calejadas pelo árduo trabalho das tarefas do campo conservam um património cultural e etnográfico riquíssimos.
Siga em direcção à Barragem da Bravura, lugar tranquilo e aprazível para um piquenique, situado entre vastos horizontes de serranias. De regresso, fique por Odiáxere para dançar um corridinho ao som da música do Rancho Folclórico e Etnográfico de Odiáxere. Siga depois para Bensafrim, uma povoação típica onde pode encontrar no lugar de Corte de Bispo, vestígios de ruínas romanas.
E se quer desfrutar de um dia em família então o Parque Zoológico de Lagos, na freguesia do Barão de São João, é o local ideal para ver animais e plantas de várias espécies. Macacos, linces, veados, lebres, cães da pradaria, tartarugas, iguanas, aves e plantas diversas esperam por si. O espaço possui várias estruturas: sala multiusos, lojas, parques infantis, restaurantes e bares. Certamente vai passar um dia diferente e agradável. Mas se prefere vaguear ao sabor do vento então desloque-se à Mata Nacional do Barão de São João, com espécies arbóreas do tipo mediterrânico (pinheiros mansos, acácias e eucaliptos) e uma importante reserva de fauna cinegética que contribui para o equilíbrio do ecossistema. O visitante pode praticar actividades desportivas ao ar livre e usufruir de todos os benefícios resultantes do contacto com a Natureza. A Mata possui um circuito de manutenção, um parque de merendas e ainda oferece a oportunidade dos seus visitantes fazerem percursos ou passeios pedestres. Não se esqueça de levar consigo os binóculos ou a máquina fotográfica para testemunhar momentos singulares de beleza natural.
De regresso a Lagos dê ainda uma escapadela à pitoresca vila da Luz com o seu porto de pesca abrigado por falésias.
 
Venha o peixe fresco!
 
E já que estamos numa cidade onde o mar desempenha um papel fundamental na gastronomia, nada melhor que escolher um daqueles típicos restaurantes algarvios e saborear uma sopa de langueirão, de conquilha e de peixe, a perfumada açorda acompanhada com mexilhão, berbigão, amêijoa e conquilha. Como prato principal sugerimos os carapaus alimados, o ensopado de safio ou de tamboril, o bife de atum, as sempre apetitosas amêijoas na cataplana, a feijoada de buzinas tão típica dos pescadores, e as lulas cheias, recheadas com presunto e chouriço e outros condimentos. A acompanhar um vinho branco meio seco e aromado e um tinto encorpado e de cor rubi, produzidos em Lagos. Nos doces, os Dom Rodrigos, criados pelas gulosas freiras do Convento de Nossa Senhora do Carmo, os morgados de figo e de amêndoa, o doce fino, os figos cheios e os bolos de mel, acompanhados por um doce vinho licoroso com o perfume das uvas moscatel, de produção local.
Com o objectivo de preservar e revitalizar uma das tradições mais genuínas e apreciadas na região – a doçaria - confeccionada sobretudo à base de amêndoa e figo, saiba que de 29 a 31 de Julho vai decorrer, na antiga Fábrica da Cortiça, sob o tema “Lagos e o Mar – As Pescas e a Indústria Conserveira”, a XIX Feira Concurso Arte Doce / 2005. Altura ideal para saborear e levar consigo alguns dos típicos doces algarvios.
E como não há cidade turística que não tenha lojinhas de artesanato é bom que não se esqueça que Lagos tem como tradição a cestaria, artefactos de esparto ou palma, cerâmica e cobres martelados.
Rume a sul e deixe-se encantar por este pedaço de paraíso que é Lagos, uma cidade alegre, animada e juvenil rica em história e beleza natural.